O homem que não precisava crer em Deus

/ Editor: José Alfredo | Agência Rede PT Ribeirão
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Foto: Arquivo Agência Rede PT

O homem que não precisava crer em Deus

Galeno Amorim, jornalista e escritor, foi secretário de Cultura de Ribeirão Preto (SP) na gestão do PT e presidente da Biblioteca Nacional na gestão Dilma; no Governo Lula, criou o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL). Foi dirigente do Sindicato dos Jornalistas de SP e trabalhou, como repórter, com Luciano Lepera no extinto jornal Diário de Notícias

Antônio Vicente Golfeto, liberal clássico, católico praticante, adepto ardoroso do capitalismo de mercado, com um pendor irresistível para o lado direito do espectro político e, segundo ele próprio, um avarento por natureza é quem talvez tivesse a melhor definição de Francisco Luciano Lepera, seu oposto em praticamente tudo na vida: comunista, ateu, marxista-leninista clássico, sempre às voltas com movimentos sociais e as boas lutas do proletariado, e, sobretudo, um homem generoso, movido à compaixão pelo outro. Pois sempre que provocado pelos amigos conservadores que não toleravam que continuasse a manter relações de amizade com Lepera, um homem que dizia para quem quisesse ouvir que não acreditava em Deus, ele sempre se saia com essa:

— O Lepera não precisa acreditar em Deus; Deus é que acredita nele!

Luciano Lepera era o que podia se dizer uma espécie de embrião do que virá a ser um dia, no futuro, a utopia do homem novo, puro de alma e bom de coração. Mas que nem por isso deixava de ser, por um só instante, um animal político por natureza, como ele próprio se autodefinia. Levando sempre uma vida simples e espartana e com um sentido ético inabalável, Lepera era mesmo um homem incomum.

 

Desapegado dos bens materiais, ele era capaz de tirar uma roupa do corpo e, com naturalidade, sem qualquer afetação, entregar, não para quem estivesse passando frio, mas a quem, por pura intuição, ele achasse que fosse precisar em algum momento. Tirava, literalmente, comida da própria boca para alimentar uma outra. Não porque fosse caridoso. Só era assim e ponto.

 

Como jornalista, Luciano Lepera era um crítico impiedoso e feroz do capitalismo internacional, e não deixava por menos. Quando perguntavam a ele porque falava sozinho pelas ruas da cidade - nessas horas, gesticulava intensamente, e punha à prova toda sua verve da Baixa Calábria, a região pobre e desbocada do Sul da Itália, de onde sua família era originária –,  ele dava de ombros:

— Melhor falar sozinho do que com esses imbecis que andam por aí – ele respondia.

Os "imbecis" a que se referia eram aqueles que, por suas posições políticas retrógadas e contrárias aos interesses populares, defendidas não com argumentos sólidos – conhece esse filme?! –, que ele também chamava de reacionários e fascistas, fazendo questão de carregar na pronúncia em que substituía, gostosamente, o C pelo X - "Faxistas é o que eles são", dizia, em tom áspero.

 

Tido pelos mais antigos como uma espécie de reserva moral do Jornalismo do interior do Brasil, Luciano Lepera foi vereador e deputado pelo antigo Partido Comunista Brasileiro, o velho PCB, ou Partidão, como era conhecido. Ele era um político que não pedia votos em suas campanhas. Feitas sem nenhum tostão, as eleições resumiam-se em discursos longos e virulentos proferidos por Lepera sobre caixotes de feira, dirigidos para pretos, pobres, prostitutas, operários e camponeses, contra os podres poderes da República e dos impérios capitalistas, daqui e de acolá. Depois, os amigos saíam pedindo votos e ele acabava eleito, sem pedir para si um voto que fosse.

— É preciso fazer a educação política do povo para que não sejam analfabetos políticos – ele apregoava.

Em quatro anos de mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo, Lepera participou de nada menos do que mil greves. Ele pôs seu mandato, literalmente, a favor do povo mais pobre e das lutas operárias e camponesas.

 

Quando a temperatura política, que já prenunciava o golpe militar que viria em 1º de abril de 1964, subiu, Lepera foi cassado e preso, mais de um ano antes dela. Nem chegou a assumir o segundo mandato, para o qual foi reeleito com sua campanha franciscana e libertária. Como os militares bateram pesado e todas as portas – leia-se: redações de jornais – se fecharam, ele foi vender livros de porta em porta. Mas não deu certo: em vez e vender, ele acabava dando os livros de graça para quem não podia pagar, que era para ajudar na sua educação política, ele explicava, candidamente.

 

Saber, agora, que o Diretório do PT de Ribeirão Preto acaba de dar o nome de Luciano Lepera ao seu recém-criado Núcleo de Comunicação Alternativa e Popular tem dois significados. De um lado, a justa homenagem a um homem que não transigiu e foi perseguido, encarcerado e injustiçado pela ditadura brasileira que assolou a Nação dos anos 1960 aos anos 1980. De outro lado, aos que se habilitam a assumir a boa luta e a tarefa, eis o desafio: dar o melhor de si, com dedicação, coragem e destemor, tendo em vista sempre os desvalidos e os oprimidos, e, assim, fazerem por merecer a honra de carregar o nome de Luciano Lepera em sua bandeira rubra de sangue, suor e lágrimas.

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