Aluna negra e da escola pública leva o 1º lugar em medicina da USP
Foto: Milena Aurea / A Cidade

'Hoje, infelizmente, sou exceção', diz Bruna Sena, 17 anos; Estudante afirma que vai lutar por igualdade
“Hoje, infelizmente, sou exceção. Espero servir de inspiração para que, no futuro, outros deixem de ser”. Bruna Sena, 17 anos, negra, moradora da periferia de Ribeirão Preto e aluna da rede pública, superou as barreiras da vida e das estatísticas para alcançar o primeiro lugar no curso de Medicina da USP-RP, o mais concorrido da Fuvest, à frente de outros 6,8 mil candidatos.
A timidez da voz contrasta com a força do discurso. Primeira de sua família a ingressar em uma faculdade, ela levanta a bandeira de igualdade racial, de gênero e de mais oportunidades para o Ensino Superior.
“A USP tem que ser mais democrática e acessível a todos”, afirma, lamentando que no Eugênio Lopes, bairro onde mora com a mãe e a tia, muitos sequer conhecem a instituição.
Seu pai a abandonou quando tinha nove meses de vida e, desde então, a mãe – operadora de caixa que ganha R$ 1,4 mil ao mês – sustenta a família. “Ela nunca me deixou trabalhar, me deu todas as condições para apenas estudar”, diz Bruna.
E a jovem estudou: ao menos dez horas diárias dedicadas ao vestibular. De manhã, ia à escola Estadual Alberto Santos Dumont. À tarde, se trancava no quarto debruçada em livros. No ano passado, as noites foram preenchidas até às 22h30 com “Cursinho Popular de Medicina”, preparatório para o vestibular com aulas ministradas pelos próprios alunos da USP.
“Minha escola era boa, apesar da falta de verba. Mas esse cursinho foi a salvação”, diz Bruna. Foi lá que, ao ter contato com estudantes de medicina da USP, decidiu cursar a universidade e ser médica. Ainda não sabe a especialidade, mas tem uma certeza: quer atender os “mais necessitados”.
Igualdade
Ao saber que havia passado na faculdade de medicina, Bruna publicou nas redes sociais: “A casa-grande surta quando a senzala vira médica”, em referência ao livro clássico de Gilberto Freyre.
A USP não informa quantos negros cursam medicina em Ribeirão, mas consulta do A Cidade junto aos microdados do Censo de Educação Superior do Ministério da Educação aponta que, em 2015, apenas seis dos 413 alunos eram negros (1,4%) e 33 se declararam pardos (7,9%).
“É claro que nós (negros) incomodamos quando temos ascensão. Ficam incomodados justamente aqueles que sempre tiveram privilégios na sociedade”, diz Bruna. Questionada sobre o futuro próximo, quando estiver prestes a se formar, ela é direta: “Espero que na universidade esteja rodeada por muitos iguais a mim”.
‘Vença na vida, não deixe que ela te vença. Estude’
Dinália Sena, 50 anos, viu que a filha seria guerreira desde cedo: nasceu prematura, de 7 meses, e passou 28 dias internada para ganhar peso. Após o nascimento, ela se viu abandonada pelo companheiro, e teve que sustentar sozinha Bruna. “Foi muita luta”, resume. Dinália, que trabalhou como auxiliar de escritório por 18 anos e há quatro é operadora de caixa, ganhando R$ 1,4 mil, nunca deixou a filha trabalhar. “Tenho uma amiga que dizia sempre para a Bruna: ‘Vença na vida, não deixe que ela te vença. Estude’. E eu sempre deixei ela focada na escola”. A família nunca passou necessidade, mas vivia sem luxo. A maioria dos livros que Bruna leu foram alugados pela mãe na biblioteca do Sesc. Quando a jovem decidiu prestar medicina na USP, a mãe apoiou, mesmo sabendo das dificuldades. “Passar parecia um sonho distante, mas que uma hora iria chegar. Em primeiro lugar, então, nem sonho era”. Dinália, que possui apenas o ensino médio completo, se sente realizada pela filha - que reconhece o papel da mãe na conquista. “É o meu exemplo”, orgulha-se Bruna.
Análise - Ensino Superior no Brasil ainda é muito elitizado
Claramente temos um Ensino Superior elitizado, e a Bruna é uma exceção. Metade da população brasileira é afrodescendente, mas verificamos que as salas de aula nas universidades não expressam isso. Nosso ensino superior é um dos menos acessíveis do mundo, devido à oferta baixa de matrículas e à maioria delas ser da iniciativa privada. Nesse contexto, as políticas afirmativas (como cotas e bônus) são importantes. Elas parecem injustas, mas existem justamente para corrigir injustiças. José Marcelino Rezende, Professor da USP-RP
---Rede PT Ribeirão, com informações do portal ACidadeON

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