Perla Müller: Carta a Ribeirão Preto
Arquivo pessoal

A advogada, professora universitária, escritora e pré-candidata a vereadora de Ribeirão Preto pelo Partido dos Trabalhadores, Perla Carolina Leal Silva Müller, estreia coluna na Rede PT
Há
vinte anos cheguei nessa cidade e aqui encontrei uma terra de oportunidades.
Claro que sabia que o caminho não seria fácil para uma mulher, vinda de uma
família pobre e de um mundo tão diferente. Mas sabia também que com coragem e
determinação, esses desafios poderiam ser superados por alguém que aprendeu
desde cedo o valor do estudo e do trabalho. Vim de tantos lugares e tantas
histórias parar onde hoje meu coração se sente confortável para chamar de lar.
Aqui consegui aprender e crescer ainda mais; muni-me de toda força que observei
e absorvi vendo minha mãe e minha avó lutarem e a usei para promover mudanças e
melhoras. Para elas, somente o estudo poderia abrir as portas para o futuro que
sonhava para nós.
Cresci
dentro de uma pequena família de cinco mulheres: éramos em três irmãs, minha
mãe e minha avó, estas duas fortes e determinadas, assalariadas, cm dupla
jornada de trabalho, costureiras, contadoras, domésticas, dispostas a ir contra
as probabilidades e, apesar das privações materiais, cavar oportunidades e
oferecer um futuro bem melhor que os seus a suas três filhas. Ninguém vestiu
moda ou comeu caviar, nem viajou a lugar algum como presente de qualquer data
que fosse, mas estudamos, com bolsas e notas, em filas nas portas de casas de
gente importante para conseguir vagas nos melhores colégios da cidade: em troca
de isenção das mensalidades escolares, tínhamos que dar excelente desempenho
para fazerem propaganda! As três passaram em universidades públicas e seguiram
sempre assim, em frente!
Não
conhecíamos marcas, mas conhecíamos livros! Os livros e a realidade do Sistema
Público de Saúde, de quem tem que estar na fila antes das seis da manhã, às
vezes indo a pé, de guarda-chuva na mão, para ter chance de ser atendido. Sim,
realmente somos uma pequena prova de que estudar - ah, os livros! - pode mudar
uma vida, transformar o mundo, fazer pessoas evoluírem; e de como uma mulher
poder ser poderosa, independente, transformadora, assim como foram, e ainda
são, minha mãe e minha avó.
E
foi superando diversos obstáculos, especialmente os materiais, que consegui
chegar enfim à universidade. E para quem, como eu, trazia tanta esperança e
desejo de mudança, de justiça e igualdade, a escolha não poderia ser outra que
não o Direito. Tive a oportunidade e o privilégio de estudar na minha querida
Unesp e muito embora essa não fosse uma chance dada a muitos de minha origem,
ali pude me formar como profissional e como cidadã em um espaço democrático de
diálogo e reflexão. E também foi lá que encontrei o companheiro de todo o resto
de minha jornada. Com a mesma profissão, os mesmos sonhos e os mesmos
princípios, nos tornamos parceiros de uma vida. E foi por suas mãos, inclusive,
que cheguei a essa cidade.
Casados,
cachorro adotado (nossa pequena Frida, recolhida das ruas e hoje parte
indissociável de nossa família) e no exercício da profissão, realizamos muitos
sonhos. Montamos um pequeno escritório nas mediações do Fórum e ali trabalhamos
incansavelmente para conquistar a confiança, o respeito e a credibilidade de
nossos clientes e nossos colegas. Essa sempre foi nossa marca e nossa meta na
advocacia. Mudamos a nossa vida e a de muitos outros. Projetamos sonhos e lutas
e os transformamos em realizações. Conseguimos promover melhores condições de
vida à família, retribuindo os esforços de minha mãe e avó e lhes dando certo
conforme e descanso. E é para isso que o trabalho deve nos servir: muito mais
do que forma de subsistência, o trabalho deve nos propiciar dignidade e
plenitude; deve ser capaz de mudar nossas vidas e daqueles que amamos. E toda
essa transformação em minha vida me dava cada vez mais impulso, e nutria em mim
a esperança e o desejo de fazer do meu trabalho um instrumento de luta por
respeito, oportunidades e direitos a todos.
E
a vida seguiu ensinando com a chegada da primeira criança da família, minha
sobrinha Valentina. Valentina tem diagnóstico de autismo, está dentro do TEA (Transtorno
do Espectro Autista), e diversas lições valiosas pude tirar do convívio com
alguém com deficiência, desde o que realmente importa na vida até o conhecer a
realidade miserável de quem não podo pagar pelos serviços dos diversos
profissionais que uma criança como esta precisa: famílias devastadas, crianças
em retrocesso! O convívio com uma criança especial me fez compreender ainda
mais coisas como necessidade, atenção e cuidado e, mais do que isso, pensar nas
milhares de outras crianças que nascem e crescem desamparadas e desassistidas
nesse país. Hoje, a luta por Valentina e por todas as crianças e pessoas com
deficiência é uma bandeira que defendo não apenas por simpatia e humanidade,
mas também por amor e por necessidade.
Assim
a vida me conduzia a mais e mais estudos e, em 2009, obtive meu titulo de
mestre em Direito, e novamente os caminhos me levaram até a educação: só que
desta vez do outro lado, ensinando o que pude aprender de tudo o que vi até
hoje. A educação sempre foi umas das causas que mais em mobilizou especialmente
porque foi através da educação que todas as transformações da minha vida foram
possíveis e realizáveis. Dedicar-me ao nobre ofício da docência era sem dúvida
um sonho e uma honra, assumido com muita responsabilidade, com a consciência
dos desafios, mas, sobretudo, com a confiança inabalável do seu potencial
transformador. Assim, cheguei à sala de aula com o desejo de despertar naquelas
jovens e naqueles jovens o que o estudo do Direito pôde despertar em mim e de
mostrar com meu próprio exemplo que era possível, pela educação, mudas suas
vidas, seus destinos e sua forma de enxergar o mundo. E da sala de aula, lancei
aos livros: um capítulo aqui e outro ali e co-autorias, sempre com foco no
estudo da ética e da defesa de direitos fundamentais.
A
atuação profissional associada à experiência acadêmica despertou-me o desejo de
garantir que aqueles direitos ensinados em sala pudessem ser experimentados e
vividos por cada vez mais pessoas. Assim, tive a honra de compor alguns espaços
públicos, junto a Comissões da OAB e Conselhos Municipais, atuando na defesa
dos direitos humanos e na proteção de grupos vulnerabilizados. A partir de
então vislumbrei um novo horizonte adiante.
Por
isso, depois de oito anos na vida acadêmica e vinte anos na advocacia, senti
despertar em mim a vontade de assumir uma vida política por um convite que tive
a honra de receber e aceitar. Não, não se trata de um abandono da sala de aula,
esse espaço de luta que jamais deixarei. Antes, quem me empurra para a vida
política são, sobretudo, minhas alunas e meus alunos e suas histórias.
A
política é uma força sempre presente em tudo o que fiz e defendi. Viver é um
ato político. Sinto-me plenamente realizada e tenho grande orgulho de minha
trajetória e de minhas conquistas. Contudo, nunca fui acomodada ou conformada.
Tenho a consciência de que a luta precisa continuar em novos espaços, levando
adiante essas bandeiras, não apenas me engajando, como traduzindo em ações
concretas meu desejo por justiça social e criação de oportunidades.
Oportunidades
precisam ser agarradas, mas para isso precisam ser oferecidas!
Para
uma pessoa de minha origem e história, conhecer e acessar um mundo de
oportunidades e confortos às vezes pode nos deslumbrar e nos fazer perder em
nossos próprios delírios mesquinhos de consumo e na ilusão do sucesso e da conquista,
mas certamente nos pensar a respeito dos direitos de todo cidadão,
experimentados como privilégios por alguns que sempre o tiveram, mas que, para
outros tantos, é um sonho distante ou fruto de muito esforço e luta. Não se
pode falar em justiça sem se falar de oportunidades e não se pode efetivamente
garantir oportunidades em se lutar por direitos, assegurar acesso e igualdade,
enfim, sem reconhecer que a vida e o destino não são igualmente generosos para
todos. Por isso, precisamos de políticas públicas que garantam a todos chances
e não privilégios. Para mim, essa é a essência da justiça social.
Nunca
imaginei que teria alguma vez a possibilidade de entrar para a vida política.
Hoje assumo essa responsabilidade como um tributo e um dever moral; a obrigação
de devolver um pouco das oportunidades que tive da vida e de ajudar aqueles
tantos que apenas precisam de espaço e de alguém que os veja e os escute. É
esse o mais profundo desejo e expectativa que me move para esse sonho ainda
muito distante de ocupar um assento na Câmara Municipal de nosso município e de
fazer mais por nosso povo e nossa gente.
Olho
com saudade aquela Ribeirão Preto que me acolheu e que não existe mais. Depois
de mim, tantos outros para cá vieram, mas não encontram mais uma terra de
oportunidades. Deparam-se com uma cidade abandonada, profundamente marcada por
diferenças e desigualdades brutais e que já não tem mais a mesma capacidade de
geração de emprego, especialmente para os mais pobres.
Nesses
tempos difíceis de pandemia, as dificuldades e problemas se aprofundaram na
saúde pública, na educação, na condução econômica de nosso município, na
proteção aos nossos trabalhadores e empresários. Também grande será o desafio
de nos reerguermos e nos reconstruirmos quanto tudo isso tiver passado. Essa
pré-candidatura vem-me como um chamado para agir, mobilizar pessoas e
transformar a nossa cidade, para assim transformar vidas e garantir
oportunidades.
Perla Müller é advogada, professora universitária, escritora e pré-candidata a vereadora de Ribeirão Preto pelo Partido dos Trabalhadores

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