Solidariedade, já!
Arte: Ana Favaretto
O filósofo sul-coreano Han Byung-chul
diz, na Folha de 12/04, que “o vírus não
vencerá o capitalismo, pois, ao nos isolar e não gerar nenhum sentimento
coletivo, não mobiliza revoluções”.
Discordo de Han, pois não é difícil inferir que a presença
pressupõe a ausência e vice-versa, isto é, se concluímos que há ausência é
porque ou houve presença ou há a possibilidade de havê-la e vice-versa. São
interdependentes, portanto, a existência de ambas.
Dito isso, tenho que salientar que o mundo virtual nos brindou
com a ausência em presença, afinal, não necessitamos de todos os sentidos em
todas as relações interpessoais. Quando assisto a uma palestra, não me
interessa o cheiro, nem a percepção tátil ou gustativa do palestrante, mas tão
somente aquilo que posso ver e ouvir. Não há dúvidas de que os elementos mais
importantes para a relação interpessoal que interessam a uma revolução estão
garantidos (em presença): podemos nos ver e nos falar a hora que quisermos, em
qualquer tempo e independentemente dos espaços que ocuparmos eu e meu
interlocutor, mesmo se estivermos a milhares de quilômetros de distância.
Portanto, o sentimento coletivo pode, inclusive, estar sendo fermentado pela
ausência parcialmente física, tal como frangos girando na assadeira fazem o cão
salivar.
O que me preocupa mais é o que também preocupa o filósofo
britânico David Harvey, que, ao contestar que a COVID-19 não atinge igualmente
a todos, afirma que “a força de trabalho que cuida dos doentes é racializada e
feminina. A diferença também está naqueles que podem ou não trabalhar de casa,
e nos que podem ou não se isolar. Os trabalhadores na maior parte do mundo,
segundo ele, foram ensinados a se comportar como bons sujeitos neoliberais, mas
as únicas políticas que surtirão efeitos agora serão socialistas”.
Para a maioria de nós, brasileiros sensatos,
está claro que todos esforços e ferramentas utilizadas verdadeiramente para
amainar os efeitos da COVID-19 ao menos flertam com o socialismo, como é o caso
do O SUS – Sistema Único de Saúde –, que garantirá atendimento a todos os
brasileiros, e o projeto Renda Mínima, que é o que vai garantir maior índice de
isolamento social, além de muitos outros exemplos de solidariedade. Isso é “socialismo
de emergência”, como bem denominou o filósofo
esloveno Slavoj Zizek aquilo que era
consensual, no meio progressista, em relação à pandemia.
Quero crer que, depois de vencida a pandemia, a
população com menos acesso à informação começará a compreender, na prática, a
importância do SUS, da educação pública, do servidor público, da greve geral e,
principalmente, daqueles que trabalham quase que de maneira invisível para que
nossas vidas se mantenham no curso normal. Isso, pra mim, já é a inseminação de
um princípio revolucionário.
Que o socialismo emergencial se torne emergente
e exploda junto com o grito dos invisíveis, que, em ondas, à velocidade de
340m/s, tocará o ouvido e a alma de nosso povo vilipendiado, abusado e, sobretudo,
enganado, como um chamado à ação. Não haverá solução fora da consciência da
interdependência humana. Solidariedade, já!
Márcio Coelho é Secretário de Cultura do PT de Ribeirão Preto
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