Silêncio, morreu um gênio

Ilustração: Ana Favaretto

Silêncio, morreu um gênio

Sábado, dia 6 de julho, morreu o mais influente intérprete da canção popular brasileira de todos os tempos

João Gilberto nos ensinou, com maestria, a deixar a voz que fala transparecer por detrás da voz que canta. Quando João canta, não deixa dúvidas sobre o conteúdo apresentado.

 

Logo que recebi a notícia me lembrei de que Luiz Tatit disse, certa vez, que, num futuro próximo, João nem precisaria cantar. Explico: João Gilberto foi um dos maiores responsáveis pela depuração da canção. Como principal fundador da Bossa Nova, eliminou a potência vocal – muitos acreditam que ele não “tinha voz”, mas foi cover de ninguém menos que Orlando Silva,no início da carreira -; passou a cantar com a mesma intensidade com que falamos diariamente – dado que os equipamentos de amplificação já eram de alta fidelidade -; prescindiu de conjuntos e orquestras – o poder de emissão sonora do violão é o mais compatível com o poder de emissão vocal no nível da fala -; ajustou a prosódia musical das canções que interpretava –  fazia coincidir os acentos das palavras com os acentos musicais -; dispensou a percussão – a maneira como tocava o violão já continha o acompanhamento rítmico – Jacob do Bandolim, que morreu antes de entender a genialidade do violão de João Gilberto, apelidou sua maneira de tocar de “violão engasgado” - e, como todo bossa-novista, transferiu a tensão das cordas vocais para a tensão harmônica, desencadeando sentidos com seus acordes. Seu esforço foi sempre o de aparar os excessos do entorno do núcleo de identidade da canção, a saber, letra/melodia, daí, a máxima de Luiz Tatit.

 

 

Era conhecido seu apreço pelo silêncio, seja da plateia, seja para ele próprio ouvir música. Conta-se que, na década de 1970, João gostava de passear de carro pela inabitada Avenida Sernambetiba (Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes), durante a madrugada, só para ouvir o som do motor do seu carro.

 

Talvez, sonhasse com um silêncio que fosse capaz de servir de plano de fundo a uma canção ideal, aquela que nem precisaria ser cantada. João sempre buscou o silêncio, como se necessitasse de um fundo branco para desenhar suas melodias cancionais.

 

John Cage, o compositor estadunidense, havia tentado encontrar o silêncio absoluto, mas, ao entrar em uma câmara anecoica (totalmente à prova de sons), ouviu seus batimentos cardíacos, sua corrente sanguínea, o batimento do seu coração e de suas pálpebras, além de seu sistema nervoso. Desse modo, concluiu-se que o silêncio não existe, ele é um engendramento cultural.

 

Mas, ao contrário de John, João continuou obstinado pelo silêncio social/cancional. Talvez saiba, nesse momento, o exato sentido da expressão “silêncio tumular”, conceito negado aos encarnados. Sou capaz de apostar que o considerou, no mínimo, interessante.

 

Muitas gerações de cancionistas continuarão estendendo-lhe tapete vermelho e preparando o mais alvo ambiente para que sua voz e seu violão imprimam seu desenho melódico-cancional de maneira deslizante, sem obstáculos, porque quem nasce João Gilberto Prado Pereira de Oliveira o faz para ser eterno.

 

Obrigado, João.

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Márcio Coelho é Secretário de Cultura do PT de Ribeirão Preto Seja Companheiro, faça sua doação ao PT de Ribeirão Preto

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