Partidos políticos e movimentos sociais: um breve cotejo
Arte: Agência Rede PT
Partidos
Políticos
A
política brasileira, como na maioria dos outros países, é organizada por
partidos políticos. São eles que organizam e estruturam a competição política.
Os
partidos políticos, como o nome já indicia, configuram parte da sociedade que
se agrega a partir de interesses comuns. São eles que criam as condições de
governabilidade e de condução dos trabalhos legislativos.
Muitos
foram os pensadores que dedicaram seus estudos aos partidos políticos. Tais
estudos chegam a conclusões ora convergente ora pouco divergente, mas nunca
radicalmente conflitante.
O
sociólogo alemão radicado na Itália Robert Mitchels cunhou a Lei de Ferro da
Oligarquia, que é resumida no seguinte enunciado:
“Quem diz organização diz oligarquia”.
De seu
ponto de vista, os partidos políticos, uma organização política, tendem à
burocratização, isto é, a ser uma estrutura organizativa caracterizada por
regras, com uma divisão de responsabilidades a partir da especialização do
trabalho, em uma palavra, uma estrutura fixa pautada pela hierarquia e relações
impessoais. Essa estrutura é oligárquica porque o poder, no interior de um
partido político, no fundo, é exercido por um pequeno grupo de filiados, nunca
de maneira democrática plena.
O
cientista político e sociólogo francês Maurice Duverger divide os partidos em
dois tipos:
i. Partidos e quadros;
ii. Partidos de massas.
Segundo
Duverger, os partidos de quadros são criados a partir do desejo de políticos
com larga atuação ou mesmo por notáveis da sociedade. Como seu interesse
precípuo é a manutenção do poder, seus critérios são frouxos, no que concerne à
adesão, à filiação partidária. Em geral, eles surgem a partir de desígnios de
políticos poderosos ou por dissidência partidária, - como é o caso do PSDB, que
se erigiu a partir da intenção de vários quadros do PMDB - e são patrocinados
pelo capital ou por abastados doadores privados.
Já os
partidos de massas, agregam um número grande de pessoas em torno da política.
Esses partidos se originam, por definição, fora do parlamento ou de qualquer
atividade político-partidária. Seu financiamento é compartilhado entre filiados
e parlamentares subordinados ao partido. Em geral, o parlamentar de um partido
de massas considera seu mandato como pertencente ao partido e a este subordina
sua atuação. Essa é a orientação do Partido dos Trabalhadores.
Do
cientista político e socialdemocrata Otto Kirchheimer destaco o conceito de
partidos “catch all” (pega tudo ou cesto de bugiganga, ou, ainda, em
linguagem popular, balaio de gatos ou partido ônibus), cuja caracterização
principal é a diluição ideológica aliada à adesão de vários grupos de interesse.
O exemplo brasileiro não poderia ser outro senão o MDB, que agrega figuras
abjetas como Romero Jucá, Michel Temer, Eduardo Cunha e, ao mesmo tempo, Roberto
Requião, sem falar nas figuras emblemáticas de Teotônio Vilela e Ulysses
Guimarães.
Angelo
Panebianco destaca a tendência atual de os partidos políticos se tornarem um
centro catalisador de profissionais-eleitorais ou, se preferirmos, políticos
profissionais. O grande problema desse tipo de partido e, consequentemente, de
seus quadros, é dar absoluta prioridade aos temas que têm apelo eleitoral,
deixando em segundo plano as reais necessidade do país ou da sociedade. Em
geral, esse tipo de político é financiado por grupos de interesses. O Brasil é
pródigo nesse tipo de atuação partidária, donde se originaram a bancada da
bala, do boi e da bíblia, respectivamente, formadas por parlamentares que
representam a área da segurança (policiais civis e militares, dentre outros
segmentos), os ruralistas e os evangélicos, principalmente os ligados às
organizações religiosas neopentecostais.
Além
do elencado, outros autores destacam, na contemporaneidade, a diminuição do
empenho em buscar e formar filiados. O golpe que os sindicatos sofreram no
Brasil agrava ainda mais essa situação. Por outro lado, a comunicação e as
campanhas modernas, de certa forma, demandam menos filiados, haja vista a
eleição de Jair Bolsonaro, filiado a um partido nanico, o PSL, com apenas oito
segundos de TV. Nesse caso, um passo além foi dado, a comunicação delimitada da
TV e seus horários fixos migraram para o não espaço e o não tempo da internet,
no qual o eleitor simpatizante pode acessar a comunicação do candidato de
qualquer lugar e a qualquer momento.
O
sistema partidário, no Brasil, é fragmentado, são 33 os partidos registrados no
Tribunal Superior Eleitoral. Esse número é, em grande parte, fruto do incentivo
de grandes partidos, que, em época de eleições, cooptam partidos pequenos e
nanicos, com o intuito de aumentar seu tempo de TV. Por outro lado, muitos
desses partidos são criados com espúrio objetivo de ser um partido de aluguel,
como se diz dos partidos que emprestam sua legenda para candidatos de ocasião
ou a partidos maiores.
O
Partido dos Trabalhadores surgiu de uma maneira sui generis para o
Brasil, com participação de sindicatos, da esquerda organizada, de membros da
igreja católica, além de movimentos sociais e intelectuais.
Inicialmente,
o PT privilegiou a democracia interna, que, do nosso ponto de vista,
encontra-se meio enfraquecida, não obstante resistir em programas como o PED, Processo
de Eleições Diretas, por meio do qual os filiados elegem os membros de seus
Diretórios e Comissões Executivas Municipais, coisa que não acontece na grande
maioria dos partidos políticos brasileiros.
O
Partido sofre crítica por ter se aproximado da lógica profissional-eleitoral e
por ter-se tornado muito mais dependente do Estado.
Do meu ponto de vista, o Partido dos Trabalhadores buscou conciliar seus fundamentos, sua história e sua trajetória com a ocupação dos espaços eleitorais, e não há como negar que sua estratégia, desse ponto de vista foi bem sucedida, pois logrou êxito e dirigiu o país, com sucesso, por três mandatos, além de governar vários estados e ocupar de maneira significante postos na Câmara Federal, nas Câmaras Municipais e no Senado, além de inúmeras prefeituras. Mesmo depois do massacre sofrido durante e após o golpe de 2016, o PT constituiu a maior bancada da Câmara Federal.
Movimentos
Sociais
Na
década de 1960, esse termo foi cunhado para descrever a turba que se
manifestava nas ruas e reivindicava mudanças no gerenciamento de várias áreas,
porém, sem a intenção de tomar o poder estatal.
Essas
mobilizações coletivas, que passaram a ter escala global, não possuíam,
tampouco possuem, o mesmo caráter e desígnios dos sindicatos, dos partidos
políticos e, menos ainda, do aparato estatal.
Ao
contrário dos partidos políticos, os movimentos sociais não fincam suas bases
na noção de classe social, seu foco está em temas relacionados à etnia, gênero,
meio ambiente, globalização, moradia, terra, regulação do consumo, animais –
domésticos ou selvagens – e mesmo territorial, como é o caso da Catalunha,
dentre outros.
Muitos
desses movimentos são perenes, como o MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra -, com normas instituídas, hierarquias internas, divisão do trabalho
e administração de recursos. No caso do MST, esse último item ganhou tal
dimensão, que, atualmente, é o maior produtor de arroz orgânico da
América-latina.
Alguns
movimentos sociais se burocratizaram, mas muitos outros continuam informais,
fato que não diminui sua importância para a transformação da sociedade.
O
repertório de atuação com vistas a alcançar suas finalidades é amplo e
diversificado: são comícios, passeatas, assembleias, ocupações, boicotes e, em
alguns casos, enfrentamento do poder estabelecido, por meio de resistência a
decisões judiciais e à violência policial.
Durante
os governos petistas, o Estado passou a ser a ser mais permeável à ação dos
movimentos sociais, legitimando-os socialmente quando não os apoiava
ostensivamente.
Inicialmente,
as reivindicações dos movimentos sociais se direcionaram ao Estado, com a
intenção de que este incorporasse políticas e legislações de reconhecimento,
respeito e inclusão.
Não
tardou para que outras pautas fossem inseridas na luta dos movimentos sociais e
seus alvos passaram a ser, além do Estado, a sociedade e o mercado. Nesse caso,
tais pautas abordavam costumes, padrões sociais e morais, além de orientações
valorativas comportamentais.
A
partir da legitimação estatal e social, alguns movimentos começaram a
participar de ações governamentais ou do Estado, colaborando na construção de
políticas públicas e ações sociais.
Embora
a maioria dos movimentos sociais sejam refratários a interferências institucional,
muitos se transformaram em partidos, com é o caso dos Partidos Verdes, em todo
o mundo, ou mesmo em empresas, como o Greenpeace, que tem sede na Holanda e
está presente em mais de 55 países.
Partidos
e movimentos sociais ocupam o mesmo eixo semântico, qual seja, o de transformar
cenários sociais e políticos, em sua maioria, para o bem-estar social. Todavia,
o primeiro grupo tem como objetivo principal a tomada do poder e a
transformação da sociedade. Já o segundo, foca seu trabalho nos interesses da
sua comunidade.
Para
terminar, consideramos importante ressaltar que os movimentos sociais inseridos
naquilo que convencionou-se chamar de “pautas identitárias” correm o risco de
não atingirem seus objetivos, dado o grau de especificidade de suas lutas.
Se
cada segmento social lutar para alçar ao ponto mais alto suas bandeiras, cremos
que a tendência é a suspensão, isto é, um soerguimento inócuo, que não chegará
ferir o padrão social negativo estabelecido. E, assim, o segmento progressista
estará suspenso por equivocadas radicalizações, que tiram seus pés do chão
político e impede seu avanço frontal e horizontal.
Márcio Coelho é Secretário de Cultura do PT de Ribeirão Preto
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