Neoliberalismo: Esse bicho morde?
Arte: Ana Favaretto
Se há uma palavra que, na atualidade, se manifesta todas as vezes em que o assunto é política, essa é neoliberalismo. Em que pese seu uso amplamente disseminado, fica no ar uma forte impressão de que poucos, ou quase ninguém, sabe exatamente do que se trata. Digo isso em relação a quem a escuta, mas, também, a quem a pronuncia. No entanto, uma coisa é certa: quase todo mundo compreende que se trata de algo nocivo para o povo.
Dito isso, farei um breve histórico do conceito e de sua construção, pois não há como se compreender o Estado de bem-estar social sem que se compreenda sua mais feroz contraposição, a saber, o neoliberalismo.
Origem do neoliberalismo
Em Agosto de 1938, o filósofo francês Louis Rougier organizou, em Paris, o Colóquio Walter Lippman, para discutir a decadência do liberalismo. Nesse colóquio, o termo neoliberalismo foi cunhado.
Walter Lippman, jornalista estadunidense, escreveu o livro An Investigation of the Principles of Good Society - Uma investigação Sobre os princípios da boa sociedade, em tradução livre -, que recebeu o nome francês de La Cité Libre (A cidade livre). Nesse livro estão as bases para o pensamento neoliberal, não sem motivo, o famoso colóquio levou o nome do seu autor.
Liberalismo
O pensamento liberal clássico compreende a sociedade como um organismo natural, fato que se contrapõe diametralmente à definição de cultura dada pelo antropólogo belga Claude Levi-Strauss, segundo a qual cultura é tudo aquilo que sofre a ação transformadora do homem. Desse modo, a sociedade humana jamais poderá ser natural, exatamente porque foi construída pelo ser humano.
Embora haja certo consenso sobre a oposição natureza x cultura, os liberais imaginaram uma sociedade baseada apenas nas relações de troca, na mercadorização, na vida social como se esta não fosse senão um mercado temporal. Caso a sociedade fosse um organismo da natureza, seria plausível que se autorregulasse, gerando equilíbrio social. Assim, a intervenção do Estado não seria bem-vinda, pois traria desequilíbrio a essa “harmonia natural”. Segundo tal ideário, a própria correlação de forças dos sujeitos sociais, individuais ou coletivos, se encarregaria de cuidar do equilíbrio social. Daí, a ideia de “mão invisível do mercado”. Mas não foi isso que aconteceu e, na primeira metade do século XX, o liberalismo começava a fazer água.
Neoliberalismo
O pensamento neoliberal, embora mantenha o laissez-faire e a mercadorização das relações sociais, estende a lógica do capital para todas as esferas da vida.
Precisamente, o que define o neoliberalismo é o fato de, subjacentemente, propor que comportamentos e relações se espelhem no funcionamento do capital. Não sem motivo, utilizamos o termo “capital humano” para designar os atributos que um trabalhador adquiriu por meio de educação, experiência e perícia. Sendo assim, se é possível ao trabalhador considerar seus atributos como ativos, logicamente também é possível que ele haja de maneira a valorizar e/ou aumentar seu “capital humano”.
A forma que sintetiza tais ideias é a da empresa, e isso faz com que instituições sociais sejam encaradas como organizações. Então, a concorrência é generalizada como norma de conduta social.
O eufemismo “colaborador” passa, então, a recobrir a noção de funcionário, fato que faz emergir um sério problema de identidade entre os trabalhadores, já que colaborador é aquele que “co-labora”, isto é, que labora junto, que trabalha junto a alguém. O trabalhador ao ser alçado à condição, mesmo que falsamente, de colaborador da empresa, instaura uma diluição das historicamente tensas relações entre patrões e empregados, que agora são “co-laboradores”. O efeito principal dessa confusão semântica é desfazimento dos laços de identificação entre os trabalhadores. No fundo, não há “co-laboração”, tampouco colaboração, o que emerge efetivamente de tudo isso é o estímulo à concorrência, à competição. Assim, o trabalhador começa a imaginar que desenvolver um trabalho de excelência é ser melhor do que os outros e a almejar ver sua fotografia no mural daqueles que “bateram a meta” do mês.
Diferentemente do pensamento liberal, o neoliberalismo não parte da ideia de que exista uma ordem natural que equilibra as relações mercadorizadas, mas da ideia de que para que a concorrência aconteça da melhor forma, é preciso que permanentemente estejam sendo criadas condições para isso, daí o neoliberalismo ser considerado de índole construtivista ou seja, a condições não são naturalmente das, mas construídas.
O grande nó dessas propostas é que, curiosamente, quem pode criar essas condições é o Estado, por meio de mudanças de legislação, novas regras, criação de instituições ou mesmo alteração de funções de instituições existentes. Então, não é verdade que o neoliberalismo busca o “Estado mínimo”, busca, sim, a mudança de sua função primordial, qual seja, a de promover o bem-estar social, para buscar um equilíbrio que se nutre da crise, pois são os períodos de crise que suscitam as condições para as alterações das regras, de modo que se garanta o funcionamento da concorrência. A chamada “uberização” já é um exemplo clássico disso.
Não sem motivo, o ministro Paulo Guedes diz que vai pedir uma “waiver” (perdão por quebrar uma regra), isto é, uma licença para furar o teto dos gastos imposto pelo governo Temer. O pretenso Chicago Boy se aproveita a crise para implantar um “auxílio emergencial”.
Um governo para propor um gasto perene tem de indicar uma receita perene para fomentá-lo. Então, como o governo genocida não tem essa receita perene, vai acabar com a estrutura do Bolsa Família, para aproveitar parte da sua receita e dar um auxílio emergencial maior, só que até dezembro de 2022. Depois dessa data, não haverá mais auxílio e a estrutura do Bolsa Família não existirá mais.
É isso.
---Márcio Coelho é Secretário de Cultura do PT de Ribeirão Preto
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