Márcio Coelho: Quem inventou a política?

Márcio Coelho: Quem inventou a política?

O presente texto tem por objetivo parafrasear a primeira aula da filósofa Marilena Chauí, de três disponibilizadas gratuitamente pelo Instituto Lula sob o título Democracia e seus obstáculos” (vídeo abaixo).

 

A palavra política tem sua origem no termo pólis, do grego, que significa cidade-estado. Sendo assim, para além da acepção moderna arraigada, o termo político define, antes de tudo, o cidadão; aquele que vive na pólis.

 

Segundo o historiador estadunidense Moses Finley, a política foi inventada com o surgimento do espaço público, por meio da invenção do direito e da lei.

 

Embora vejamos com estranheza o termo “invenção” para a noção de política, a verdade é que, quando se cria algo que não existia antes, inventa-se. Portanto, a política foi inventada por gregos e romanos.

 

Antes da invenção da política, havia três autoridades: 1. a privada, exercida pelo patriarca, no âmbito familiar; 2. a militar; 3.  e a religiosa. Como essas autoridades tendiam a se fundir na figura do rei, não havia espaço para o surgimento da política.

 

Segundo Aristóteles, a função da política é tornar iguais os desiguais. Parece coisa de comunista, não é verdade? Mas, na acepção aristotélica, a política era entendida como uma atividade pública concernente aos interesses e aos dos bens das cidades e dos cidadãos. Vem de então a noção de isonomia, que, na sua fundação, dizia respeito ao estado dos que são governados pela mesma lei, em uma palavra, igualdade de condições. Donde surge, também, a noção de isegoria, um conceito oriundo da democracia grega, que consiste no princípio de igualdade do direito de manifestação na Eclésia, que era a principal assembleia ateniense. Portanto, a isegoria era a garantia de que todos os participantes pudessem falar sem ser sem ser interrompidos.

 

Não há como se falar em igualdade sem se falar em normas jurídicas que a garantam. A tensão entre quem oprime e quem é oprimido, sem mecanismos de apaziguamento, regulação e arbítrio, em uma palavra, sem justiça social, transmuta-se em conflito social.

 

Evocando Maquiavel, Marilena Chauí afirma:

 

"Toda e qualquer sociedade é perpassada pela divisão entre o desejo dos grandes de oprimir e comandar e o desejo do povo de não ser oprimido nem comandado. O trabalho que a política realiza é mudar a lógica da violência e da força para a lógica do poder.

(...) O desejo do povo é puramente negativo: não quer ser oprimido nem comandado. Cabe ao governante dar um conteúdo positivo ao desejo popular, ou seja, o desejo de justiça, segurança e liberdade. Isso só é possível se o governante se aliar ao povo”.

 

 

No âmbito da justiça, a professora e filósofa apresenta dois modos de existência, a saber, a distributiva (ou do partilhável) e a do participado.

 

  • Justiça distributiva ou do partilhável: Refere aquilo que pode ser dividido, distribuído, partilhável, assegurando a cada um aquilo de que necessita.
  • Justiça do participado: Diz respeito àquilo que pode não ser dividido; refere-se a algo uno, indivisível: o poder.

 

 

Portanto, não há justiça social onde domina uma arbitragem que não tem em seu horizonte a possibilidade de participação efetiva do povo, para além de este estar à mercê da boa vontade de quem quer partilhar, distribuir ou dividir insumos para sua sobrevivência. Para que um povo viva efetivamente em toda sua plenitude, é necessário que que seja partícipe do poder e, não, um mero paciente da boa vontade de poucos que o detém. Todos os cidadãos devem ter direito ao poder.

 

Não há justiça social, também, onde não se respeita o limite entre a coisa privada e a coisa pública, pois, sabemos, o prejuízo sempre recai sobre a coisa pública, que, embora seja sempre de dimensão superior, sofre com o enfraquecimento derivado da pulverização de seus principais interessados. Construir um bloco coeso, com foco nos interesses comuns, é tarefa que preocupa, como pudemos ver, pensadores, desde a fundação daquilo que podemos chamar de pensamento ocidental.

 

Todavia, uma política baseada na ética não confunde espaço público com privado.

 

Segundo Marilena Chauí, a concepção pré-moderna de política

 

“considera o governante não como representante dos seus governados, mas representante de um poder elevado, que legitima sua soberania e seu poder de decisão pessoal e único. Cuja vontade é lei”.

 

 

Não há dúvidas de que essa concepção não se esforça em deixar claro quais são os limiares entre os espaços públicos e os privados. 

 

A concepção pós-moderna de política transforma os cidadãos em consumidores, por meio do marketing, que busca vender a imagem do político. Para isso, recorre às instâncias privadas do candidato. Mais do que seu pensamento e suas propostas políticas, o marketing ressalta sua família, preferência sexual, esporte, carros, roupas, música etc., em total submissão aos procedimentos da sociedade do consumo.

 

Ao despolitizar a figura do candidato, reafirma-o como figura do espaço privado. Assim, o que o eleitor julga, a cada dois anos, é principalmente o caráter pessoal do político. As instituições públicas são relegadas a um plano inferior.

 

E qual seria a concepção moderna de política? A ex-secretária de cultura da cidade de São Paulo, no governo petista de Luiza Erundina afirma que:

 

“a concepção moderna de política se funda na distinção entre o público e o privado. Seu alvo principal é a qualidade das instituições, não a qualidade privada dos governantes. Assim surge a ideia de república democrática ou democracia republicana”.

 

Uma república democrática somente se sustenta se prezar a justiça e a ética. Ética para iluminar os limites do meu e do nosso, isto é, do privado e do público, e justiça para cerzir o tecido social em todas as ocasiões em que o interesse privado insistir em esgarçá-lo. “Não ter ética na política é estar totalmente à mercê dos interesses”, afirma Marilena Chauí.

 

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Márcio Coelho é Secretário de Cultura do PT de Ribeirão Preto Seja Companheiro, faça sua doação ao PT de Ribeirão Preto

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