Márcio Coelho: A cultura é a responsável pela preservação da espécie humana?

Arte: Ana Favaretto

Márcio Coelho: A cultura é a responsável pela preservação da espécie humana?

O antropólogo Claude Lévi-Strauss sugere em suas obras que uma "regra elementar", a da proibição do incesto, ao ordenar um "instinto" biológico, efetua uma ruptura entre o universo das coisas naturais - domínio da natureza -, e o universo das práticas sociais humanas - domínio da cultura.

 

Aceitando tal distinção, o linguista Edward Lopes isola duas características da cultura:

  1. Pertence ao universo da cultura tudo o que o homem acrescentou à Natureza por meio de seu trabalho transformador: Artefato
  2. Pertence ao universo da cultura tudo o que não é hereditário, mas é aprendido pelo homem: Mentefato

 

Vejamos o exemplo das abelhas. Quando a colmeia necessita se alimentar, a abelha-rainha designa uma abelha operária para procurar alimento. Quando a operária volta, por meio de danças circulares e contrações abdominais, ela informa às outras abelhas se o alimento está a 50, 100 ou 500 metros.

 

Podemos dizer que a abelha possui um tipo de linguagem, mas nunca uma língua, pois ela não seria capaz de dizer, por exemplo, se havia fogo na mata, se havia alguém aplicando inseticida, se estava chovendo etc.

 

Do mesmo modo, a música é uma linguagem, mas não é capaz de fazer tradução intersemiótica, isto é, podemos transformar um livro em filme, em peça de teatro, em novela, em HQ, mas não o podemos fazê-lo por meio da música pura.

 

A diferença entre as duas linguagens é que uma foi recebida por informações genéticas – domínio da natureza -, e a outra, por meio da comunicação humana – domínio da cultura.

 

A palavra cultura tem origem no latim colere, e significou inicialmente cultivar ou cuidar de plantas. Daí o termo agricultura, que significa cuidar da terra.

 

Há inúmeras definições de cultura. O antropólogo estadunidense Clyde Kluckhohn, elencou algumas:

  1. O Modo de vida global de um povo;
  2. O Legado social que o indivíduo recebe do seu grupo;
  3. Uma forma de pensar, sentir, acreditar;
  4. Uma abstração do comportamento;
  5. Celeiro de aprendizagem comum;
  6. Conjunto de orientações padronizadas para os problemas recorrentes;
  7. Comportamento apreendido;
  8. Um conjunto de técnicas tanto para se ajustar o ambiente interno e como o natural.

 

Marilena Chauí a define como a capacidade dos seres humanos de lidar com o ausente. Tratando da nossa capacidade de simbolizar, ela aproxima-se de Max Weber, que afirma que os seres humanos são amarrados pela teia de significados que eles próprios teceram.

 

Na mesma esteira, o antropólogo Cliford Geertz diz que cultura é a teia de significados e símbolos criada pelos seres humanos em certo contexto, em certo grupo, e a análise deles.

 

Segundo Yuval Harari, há cerca de dois milhões e meio de anos, o sapiens começou a manipular ferramentas. Centenas de milhares de anos depois, dominou o fogo e começou a manipular sementes. Nesse momento, ele passou de coletor a agricultor. Desse modo, deixou o âmbito da natureza para fundar a cultura, mesmo que tenha começado pelo cultivo de alimentos e simples artefatos. Desse modo, o sapiens foi o primeiro fazedor de cultura.

 

Sabemos que cultivar demanda cuidar de sementes e da semeadura para conservar a existência humana, por meio da sua alimentação. Seria por intermédio da cultura que nos conservamos como espécie? Podemos dizer que a cultura é a responsável por um conservadorismo positivo, do bem, que nos dá a possibilidade de evoluir como espécie e atores sociais?

 

Importante ressaltar que o termo conservadorismo aqui utilizado diz respeito à conservação da espécie e, não, a práticas sociais. Não se trata de conservadorismo político, muito menos de reacionarismo, que é desafeto da democracia.

 

Assim como a linguagem das abelhas serve à sua conservação, a cultura me parece ser a grande responsável pela conservação e pela preservação da existência humana. Além de ser, do meu ponto de vista, primordial para a conservação da espécie, a cultura, por meio do desenvolvimento de um sem número de linguagens e línguas, nos permite cultivar um pensamento crítico e analítico.

 

Sem cultura, não haveria medicina, engenharia, educação, ciência, enfim, não haveria formas de cuidar da espécie humana. E mais, não haveria formas de ampliar e desenvolver o universo intelectual humano, afinal, como bem disse Ferreira Gullar: “a arte só existe porque o mundo não basta”. É isso.

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Márcio Coelho é Secretário de Cultura do PT de Ribeirão Preto Seja Companheiro, faça sua doação ao PT de Ribeirão Preto

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