Campo, campo social ou espaço social

Ilustração: Ana Favaretto

Campo, campo social ou espaço social

Este e outros artigos que escreverei sobre os conceitos forjados pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu são partes da dissertação “EGRESSOS DO PROGRAMA RIBEIRÃO CRIANÇA (SP): capital cultural, mudança de habitus e mobilidade social”, apresentada à Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, Brasil, no âmbito do curso “Maestría Estado, Gobierno Y Políticas Públicas”, em parceria com a Fundação Perseu Abramo

            O nome “teoria dos campos” nos remete a, pelo menos, três áreas, a saber, física, psicanálise e sociologia. Como não poderia deixar de ser, nosso objeto no presente trabalho é a “Teoria dos Campos Sociais”, construída pelo francês Pierre Félix Bourdieu.

            Como se sabe, não é tão fácil encontrar definições de conceitos criados por Bourdieu em suas obras, portanto, louvo a iniciativa do professor Catani, organizador do Vocabulário Bourdieu[1]. Entretanto, devido, talvez, ao nível de abstração que a teoria bourdieusiana exige, não creio que um leitor iniciante na obra do sociólogo francês, apenas com a leitura do Vocabulário Bourdieu, seja capaz de compreender com significativa profundidade tais conceitos.

            Sendo assim, além das definições dos conceitos selecionadas no Vocabulário Bourdieu, seguirão comentários resultantes de apontamentos de aulas, livros, textos e outras fontes.

            Buscarei, também, não transcrever os verbetes em sua totalidade, mas somente os excertos que julgar imprescindíveis, sempre seguidos de  paráfrases. Com isso, tenho a expectativa de facilitar a iniciação aos conceitos bourdieusianos.

            O que seria exatamente um campo, do ponto de vista de Pierre Bourdieu?

 

Com sua teoria dos campos, Pierre Bourdieu pretendeu propor um modelo bastante geral para pensarmos nossas sociedades diferenciadas. “Nas sociedades altamente diferenciadas”, escreveu ele, “o cosmo social é constituído pelo conjunto desses microcosmos sociais relativamente autônomos, espaços de relações objetivas que são o lugar de uma lógica e de uma necessidade especificas e irredutíveis àquelas que regem os outros campos. Por exemplo, o campo artístico, o campo religioso ou o campo econômico obedecem a lógicas diferentes: o campo econômico emergiu, historicamente, enquanto universo no qual, como se diz, ‘amigos, amigos, negócios a parte’, business is business, e do qual as relações - envoltas em encantamento - de parentesco, amizade e amor são, em princípio, excluídas. Pelo contrário, o campo artístico constituiu-se na e pela recusa, ou inversão, da lei do lucro material”. (Catani, 2017, p. 64)

 

 

Este excerto deixa claro que: I. O tecido social (cosmo social) é formado por “retalhos” da sociedade (microcosmos sociais). II. Os campos (microcosmos sociais) são relativamente autônomos e todos têm mecanismos de funcionamento e regras que não se confundem com outros campos. Ao campo futebolístico é impossível aplicar a mesma lógica do campo jurídico, por exemplo: no campo jurídico, diferentemente do campo futebolístico, o acusado tem direito a um advogado de defesa, enquanto no campo futebolístico não há quem possa se contrapor à decisão de um juiz; ao jogador não é dado o direito do contraditório.

De acordo com o Vocabulário Bourdieu, o sociólogo francês construiu o conceito de campo a partir da combinação de conceitos de Durkheim e Weber. Embora Bourdieu tenha retomado inúmeras vezes o conceito de campo, seu entendimento se tornou difícil “pelas minúsculas inflexões que o conceito sofre por ocasião de cada utilização particular que Bourdieu faz dele” (Catani, 2017, p. 64).

A seguir, o elementos fundamentais e relativamente invariantes da definição de campo, que foram extraído pelos autores de obras e artigos de Bourdieu, sobre campo:

 

 

·         Um campo é um microcosmo incluído no macrocosmo constituído pelo espaço social global (nacional ou, mais raramente, internacional).

·         Cada campo possui regras do jogo e desafios específicos, irredutíveis às regras do jogo e aos desafios dos outros campos. Por exemplo, o que mobiliza um matemático — e a maneira como mobiliza — nada tem a ver com o que mobiliza — e a maneira como o faz — um industrial ou um grande costureiro. Os interesses sociais são sempre específicos a cada campo e, portanto, não se reduzem ao interesse de tipo econômico.

·         Um campo é um “sistema’ ou um “espaço” estruturado de posições ocupadas pelos diferentes agentes do campo. As práticas e estratégias dos agentes só se tornam compreensíveis se forem relacionadas às suas posições no campo. Entre as estratégias invariantes, encontra-se a oposição entre as estratégias de conservação e as estratégias de subversão do estado da relação de forças existente: as primeiras são mais frequentemente as estratégias dos dominantes, enquanto as segundas correspondem as dos dominados (e, entre eles, mais particularmente, dos “recém-chegados” no campo). Essa oposição pode assumir a forma de um conflito entre “velhos” e “novos”, “ortodoxos” e “heterodoxos”, “conservadores” e “revolucionários” etc. 

·         Esse espaço é um espago de lutas, uma arena onde está em jogo uma concorrência ou competição entre os agentes que ocupam as diversas posições.

·         O objetivo dessas lutas reside na apropriação do capital específico do campo (obtenção do monopólio do capital específico legitimo) e/ou a redefinição desse capital.

·         Esse capital é desigualmente distribuído no seio do campo. Por conseguinte, existem, nele, dominantes e dominados. A distribuição desigual do capital determina a estrutura do campo que é definido, portanto, pelo estado de uma relação de forças histórica entre as forças (agentes e instituições) em confronto no campo.

·         Em luta uns contra os outros, todos os agentes de um campo têm, contudo, interesse em que o campo exista. Eles mantém, portanto, uma “cumplicidade objetiva” para além das lutas que os opõem.

·         A cada campo corresponde um habitus (sistema de disposições incorporadas) próprio do campo (habitus filológico, habitus jurídico, habitus futebolístico etc.). Apenas os que tiverem incorporado o habitus próprio do campo estão em condições de disputar o jogo e de acreditar na importância dele.

·         Todo campo possui uma autonomia relativa: as lutas que se desenrolam em seu interior tem uma lógica própria, mesmo que o resultado das lutas (econômicas sociais, políticas etc.) externas ao campo pese fortemente no desfecho das relações de força internas.

Essa lista de propriedades deve ser considerada como um resumo provisório do estado da pesquisa na matéria — baseado em uma série (limitada, mesmo que já importante) de estudos de casos, mais ou menos bem conduzidos e mais ou menos detalhados — que permite orientar o pesquisador no decorrer de suas pesquisas (Catani, 2017, pp. 64-66).

 

Muito importante destacar que o campo não é um espaço físico, mas um espaço abstrato de atuação social.

A seguir, exporei explicações do conceito de campo feitas pelo professor Clóvis de Barros Filho, no curso “Meditações Pascalianas”, realizado pela Casa do Saber, que citarei de memória e a partir de apontamentos de aula[2].

Segundo Barros, campo é o orbital dos fenômenos sociais onde mais provavelmente consigamos explicar as coisas. Se temos valores sociais, só conseguiremos explicar a gênese desses valores sociais a partir do campo específico em que esses valores valem. Por exemplo: para quem não atua no campo acadêmico os valor acadêmicos não têm valor. Só nos campos os valores valem. Fora deles, os valores são difusos.

O campo, de acordo com o professor, é um espaço de dominação, de poder. É o instrumento sociológico legítimo para estudar o surgimento do certo de do errado. Nele, os valores decorrem de um processo de dominação e de imposição do interesse de uns sobre o interesse de outros. Convocando Jürgen Habermas, afirma que o espaço público é um espaço de convencimento, enquanto o campo é um espaço truculento de dominação.

A sociologia bourdieusiana trabalha com a ideia de “troféus”, que simbolizam consagrações, prestígios e/ou capital que estão literalmente em jogo nos campos. Para que um sujeito possa acumular capital é necessário que trace uma estratégia, que, segundo Barros Filho, “é a articulação de meios e fins. Ações que passam pela sua cabeça e que tem como consequência imaginada uma aproximação dos troféus. Quem diz aproximação dos troféus diz ganho de capital específico do campo”. Sendo assim, estratégia é: i. Articulação de meios para a disponibilização de capitais para a aproximação progressiva dos troféus; ii. Acumulação de capital para a acumulação de capital; iii. Mobilização de energia para conseguir mais recursos; iv. É a organização dos próprios recursos com vistas a dispor de mais recursos. Sem que se esqueça que o capital só vale no orbital que lhe corresponde.

            Seguindo o raciocínio do professor Clóvis, os campos são espaços abstratos em que os agentes sociais articulam meios e recursos para obter troféus específicos. Todo campo social é um espaço de estratégias, porém, nem todas as estratégias são aceitáveis. O campo é que define quais são as estratégias válidas e prevê sanções para a heresia da estratégia indigna. No campo futebolístico, copiar um concorrente do troféu pode nos render, dependendo do campo, prestígio, distinção, isto é, quando um jogador copia uma grande jogada de um jogador de grande prestígio, como o “elástico” – drible criado por Roberto Rivelino –, pode ser que acumule prestígio. No entanto, no campo acadêmico, copiar um concorrente é a maior das heresias, assim como ocorre no campo artístico.

Clóvis de Barros, em seu curso “Meditações Pascalianas”, segue elucidando a noção de campo social.

 

Se queremos compreender o comportamento de alguém na sociedade, saiba: a parte consciente e estratégica da nossa ação não é o mais importante, o mais significativo e o mais importante de ser estudado. A influência dos campos sociais sobre o nosso comportamento é muito mais significativa naquilo que não percebemos, não articulamos, não passa pela nossa consciência e não se traduz em estratégias.

 

A influência da sociedade sobre o nosso comportamento tem a sua mais sofisticada atuação naquilo que não percebemos. De acordo com o professor, querer reduzir a importância do pertencimento ao campo às estratégias que usamos para alcançar o que queremos alcançar “é ignorar o ‘filé-mignon’ da nossa vida social, da influência decisiva da sociedade sobre o nosso comportamento, que se dá para além da nossa consciência, da nossa estratégia, do nosso dar conta de”.

De acordo com o curso “Meditações Pascalianas”, o campo é um espaço de diferenças e de dominação, portanto, tem dominantes e dominados. O dominante está perto do troféu e o dominado está longe, assim como Lula e o vereador de uma recôndita cidade brasileira. Para Bourdieu, as pessoas não se equivalem. O campo não é um espaço democrático, nem cristão, nem homogêneo, nem de igualdades.

Importante notar que Barros Filho introduz, aqui, a noção de troféu, que etimológica e literalmente trata do conjunto dos despojos do inimigo derrotado, como armas, bandeiras etc., expostos após a vitória, com o intuito de autopromoção e, consequentemente, de conquistar prestígio na comunidade.

Do ponto de vista sociológico, não é muito diferente. Todos os sujeitos, em campos determinados, estão em busca de troféus que denotam os mais variados interesses individuais, seja prestígio, capital econômico, capital social etc.

Dito isto, devemos nos perguntar: O que pode pretender o dominante (ou dominantes) dentro do campo, se ele já tem o troféu? Exatamente a conservação da sua condição, isto é, da sua posição no campo.

Fernando Henrique Cardoso era um homem de esquerda, um social-democrata, até sentir necessidade de manter seu poder. O restante dessa história todos conhecemos

            E o que pode querer um dominado que aceita as regras do jogo do campo? Subverter o campo. Eis o fundamento da oposição conservadorismo x subversão. O campo é fundamentalmente a competição entre dominantes e dominados, isto é, entre conservadores e subversivos. Assim, ganha sentido a expressão “não largar o osso”, que significa não renunciar a alguma coisa que seja muito boa. Importante ressaltar que os termos conservadorismo e subversão, neste caso, não têm uma conexão direta com o significado usual na política, que também faz distinção entre conservadorismo de costumes e econômico. O que está em jogo aqui é a conservação da posição no campo e a luta para subverter a ordem estabelecida pelo próprio campo.

Clovis Barros de Barros filho teve a fortuna de ter sido orientando de Bourdieu e acompanhou seu curso no Collège de France. No Curso “meditações Pascalianas”, ele afirma que o professor francês lhe emitiu o seguinte enunciado: “O interesse social transcende, e muito, o apetite orgânico dos corpos”. Sendo assim, “O campo será tanto mais estruturado quanto mais as posições sociais que o constituem independerem das características particulares dos seus ocupantes provisórios”.

            Não é difícil inferir que o posto a ser ocupado no campo é que é importante, os ocupantes são passageiros. Barros Filho exemplifica: “em geral, é a USP que empresta capital a um professor. Numa faculdade particular, em tese, quem empresta capital é o professor que tem acúmulo de capitais, inclusive aqueles adquiridos exatamente por ser ou ter sido professor da USP.

      Conclui o professor afirmando que “a perspectiva de ganho de capital simbólico  é relativamente autônoma da existência orgânica dos corpos. O capital social transcende a vida orgânica dos corpos supostamente detentores desse capital porque a nossa vida social dura muito mais do que nossa vida orgânica. Isso quer dizer que, mesmo depois de morto, podemos continuar interferindo no campo.

Fábio Rodrigues Silva, no curso de extensão “Breve Introdução ao Pensamento de Pierre Bourdieu”, oferecido pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/USP, apresenta a noção de campo, em tradução livre, a partir de uma citação do livro “La producion de la croyance”, de Pierre Bourdieu.

 

O Campo é um local de energia social acumulada que os agentes e as instituições contribuem para reproduzir através das lutas nas quais eles tentam se apropriar dela e nas quais utilizam o que adquiriram em lutas anteriores” (Bourdieu, apud, Fabio da Silva)[3].

 

Importante ressaltar que classe, na teoria bourdieusiana é um conceito absolutamente relacional e não é reduzido à questão econômica. As classes são recortes no espaço social e formam conjuntos de agentes que ocupam posições semelhantes. Esses agentes, se colocados em posições semelhantes e submetidos a condicionamentos semelhantes, têm todas as chances de ter disposições e interesses semelhantes, portanto de produzir práticas e tomadas de posição semelhantes. Tais condicionamentos fazem parte do conceito de habitus, que veremos em outro artigo.

A noção de classe de Bourdieu tem pouca – ou quase nenhuma – relação com a noção de classe na teoria marxiana. Por exemplo: No campo acadêmico, pode haver a classe dos professores assistentes e a classe dos professores titulares.

            Já que tocamos no conceito de classes, que podem coexistir num mesmo campo, e na ideia de campo de lutas, considero importante abrir um parêntese para explicar a noção de doxa.

Doxa diz respeito aos pressupostos de um campo, isto é, a coisas que não precisam ser ditas, mas que funcionam e são efetivas dentro de um campo. Por exemplo: Em relação ao futebol, é quase impossível que alguém questione o fato de que quem faz mais gol ganha o jogo. É impossível que se questione a doxa do campo futebolístico sem que se destrua o jogo. Os artistas, em geral, creem que o talento seja inato, mas Bourdieu questiona a doxa artística.

Portanto, na classe dos ortodoxos estão aqueles que defendem a doxa, e, na classe dos heterodoxos, estão os agentes que não só questionam a doxa como tentam impor a mudança da doxa. Exemplo: Algum cantor que atue no meio do chamado “sertanejo universitário” pode questionar a “arte pela arte” e dizer que isso “está por fora, arte é para fazer dinheiro”.

É sabido que o ganho econômico é, em alguma medida, a finalidade da produção artística. No entanto, o tempo de circulação da arte comercial e produção da pretensa “arte pela arte” é diferente. A arte comercial é produzida para ser vendida imediatamente. A arte pela arte demora para ser consagrada, mas, ao fim dos tempos, pode alcançar os mesmos trunfos financeiros, só que em tempo mais alargado. Só não podemos deixar sumir de nosso horizonte o fato de que, na teoria aqui utilizada, tudo é probabilidade e indeterminação.

A história do campo é a história da luta do e no campo, exemplo: quando o abstracionismo se estabelece, passa a ser presente e o impressionismo, passado.

Para Bourdieu, o que ocorre no campo da arte é:

 

Conflito entre duas estéticas, a oposição entre as frações dominadas e as frações dominantes da classe dominante, ou seja, entre o poder cultural e o poder econômico é político. Os conflitos propriamente estéticos sobre a visão legítima do mundo, ou seja, sobre o que merece ser representado e sobre a maneira correta de representá-lo, são conflitos políticos (supremamente eufemizados) pela imposição da definição dominante da realidade e, em particular, da realidade social” – La producion de la croyance. (Bourdieu, apud, Fabio da Silva)[4].

 

O livro  Capital Cultural e Ensino de Arte: formação, concepções estéticas e práticas de consumo cultural, da pesquisadora Janedalva Pontes Gondim, foi de crucial importância para que eu começasse a me sentir mais íntimo da teoria bourdieusiana, mormente no que concerne à noção de “capital cultural” - que veremos em outro artigo, com a ênfase que ele exige -, mas também a muitos outros conceitos que até então se me apresentavam confusos.

            A autora, dentre os vários aspectos do campo já apresentados, chama a atenção para o fato de que os campos sociais – ou campo – têm estrutura própria, com um grau significante de autonomia em relação a outros espaços sociais. Essa autonomia é corroborada pela baixo grau de transportabilidade de capitais de uma campo para outro, isto é, o capital acadêmico de um agente não é transponível para o campo artístico-musical, por exemplo.

 

Nessa composição do espaço social, existiriam “campos” dos mais variados tipos, pois, para Bourdieu (1994), os campos sociais surgem como produtos de um longo e lento processo de especialização e de autonomia, sendo possível falar de campo econômico, campo político, campo cultural etc., e nesse aspecto, os agentes se distribuem no campo segundo o volume total de capital e de sua composição (Bourdieu, 1994, 2001), (Gondim, 2017, p. 26).

 

A entrada de um agente em um campo exige certo volume de capital específico do campo, isto é, um agente só poderá adentrar ao campo artístico, ou em qualquer subcampo do campo artístico (musical, teatral, circense etc.), quando ele tiver certo volume de capital adquirido. Em outras palavras, um agente que queira participar do campo musical, um subcampo do campo artístico, tem de haver acumulado, no mínimo, conhecimentos acerca de como cantar ou tocar algum instrumento. Não há espaço no campo musical para aqueles que sejam apenas apreciador da música. Depois disso, ele pode entrar no jogo e disputar as melhores posições no campo.

 

A partir da especificidade do funcionamento de cada campo, podemos verificar as relações de aliança e/ou conflito, de concorrência e/ou de cooperação que os agentes travam para conquistar posições e capital que estão distribuídos conforme o volume de capital específico no interior de cada campo (Bourdieu, 1994, apud, Gondim, 2017, p. 26).

 

Para ir finalizando essa exposição sobre campo social, é importante reafirmar que, do ponto de vista de Bourdieu, o capital social não diz respeito apenas à sua forma econômica, mas a “todo o recurso ou poder que se manifestam em uma atividade social, seja capital econômico ( renda, salários, imóveis – propriedade, de maneira mais geral), capital cultural (saberes, conhecimentos reconhecidos, em sua forma objetivada, incorporada e/ou certificada por diplomas e títulos) ou capital social (relações sociais que podem ser convertidas em recursos de dominação”. (Gondim, 2017, pp. 26-27).

            Oportunamente, tratarei especificamente do capital cultural e buscarei deslindar a noção de capital cultural e suas formas, a saber, objetivada, incorporada e certificada.

De acordo com o professor Clóvis de Barros, um campo social – ou espaço social - é um espaço de posições sociais, ou seja, um espaço no qual agentes sociais ocupam posições sociais. As relações sociais estão à mercê das posições sociais daqueles que se relacionam.

            Como já dito, é importante ressaltar que o espaço social não é um espaço físico, é um espaço abstrato. Eventualmente, espaços físicos podem conter agentes de um campo de forma muito recorrente e intensa, mas isso é uma coincidência, pois as relações sociais pode se dar em qualquer lugar.

Portanto, as relações sociais não são geográficas, elas são simbólicas. Em geral, elas não têm relação com as posições geográficas. Assim como as distâncias sociais não mantém relação alguma com as distâncias físicas. Por exemplo: Quando o chefe da empresa entra no elevador com a moça que serve café, a distância física não elimina a distância social. Outro exemplo são os encontros promovidos para diminuir as distâncias entre agentes de posições sociais diferentes, como o “café da manhã com o chefe”, que não passam de pura ilusão de diminuição de eliminação da distância social. O campo social é um espaço de posições e de distâncias, e “as distâncias simbólicas não se apagam colocando uma pessoa na frente da outra”.

De acordo com o professor, posição social “é aquilo que tudo o que você define é, e aquilo que só o que você define é”. Por exemplo: para  definir “banana”, temos que dar uma definição que compreenda todas as bananas e dar uma definição que não inclua “pera”, ou seja, uma definição universal e própria.

Portanto, as posições são definíveis em relação às outras. A definição, portanto, é relacional. Por tautologia, uma coisa é o que o outro não é  e vice-versa. Por exemplo: Um chefe não é definível por ele mesmo, mas só em função do seu subordinado Como se define o norte? É aquilo que não é o sul e vice-versa. Para situarmos o ponto X no universo, temos de relacioná-lo com outro ponto, como o Y.

Clóvis de Barros Filho nos informa que “um campo é um espaço de posições definíveis reflexivamente”. Essa reflexividade sempre ocorre a partir de eixos estruturantes do campo. Eixos em torno dos quais as posições ganham a sua simetria de reflexividade. Exemplo: direita e esquerda políticas. A partir do eixo direita esquerda, eu consigo aproximar ou distanciar.

Se tenho claro que todo campo é estruturado e o que seja a oposição reflexiva direita x esquerda, percebo claramente, também, a oposição entre o PL (Partido Liberal) e o PT (Partido dos Trabalhadores).

O campo jornalístico tem vários eixos. Um deles é jornalismo de massa x jornalismo alternativo. No concernente a veículos, podemos citar o eixo TV x Rádio.

Campos Sociais são espaços estruturados de posição. Todo campo tem regras, que podem ser jurídicas ou resultado de uma aceitação tácita, isto é, regras que não são oficiais, que não estão registradas, mas que são respeitadas por todos.

Seguindo o raciocínio do professor, compreendemos que o campo é paradoxal, isto é, é ao mesmo tempo arena de luta e de concordâncias. São espaços, ao mesmo tempo, de conflito, competição e de concordância implícita sobre o seu funcionamento. Portanto, todos os jogadores são responsáveis pela manutenção do jogo. São ao mesmo tempo competidores e defensores das condições de reprodução do jogo. Daí a ambiguidade de todo campo.

No campo, os agentes rivalizam e, ao mesmo tempo, quando necessário, se unem. Algo como a frente ampla construída por Lula e pelo PT para as eleições de 2022. O campo tem dupla dinâmica: enfrentamento e cumplicidade.

Importante salientar que todo campo tem os jogadores que estão jogando e os que querem jogar, mas ainda não estão jogando. Bourdieu os chama de “pretendentes”. Clóvis de Barros Filho faz a seguinte analogia, imaginando um jogo de roleta: “As pessoas não estão jogando o jogo com a mesma quantidade de fichas. Essas fichas são chamadas de capital social”.

O professor Fábio Ribeiro da Silva, em seu curso supracitado, chama a atenção para um fenômeno denominado histerese, que é “a tendência de um sistema de conservar suas propriedades na ausência de um estímulo que as gerou, ou ainda, é a capacidade de preservar uma deformação efetuada por um estímulo[5]”.

Desse modo, “a histerese entre campo e habitus acontece quando ocorre uma mudança no campo, ou nas posições dentro de um campo, mas pessoas que tem certo habitus não conseguem gerar disposições adequadas a essa mudança”, por exemplo: Se uma família muito rica perde seu poder econômico, o “certo” seria essa família mudar seus hábitos de alimentação, entre outros. No entanto, todos nós sabemos que esse tipo de mudança não se implementa de maneira tranquila e fácil.

Considero pertinente finalizar esse tópico com uma citação do livro de Janedava Gondim, que, do meu ponto de vista, resume campo social e seu caráter relacional:

 

Por essa lógica, o espaço social poderia ser concebido como um “espaço dos estilos de vida”, cujos princípios de organização transformam práticas e, sobretudo, “maneiras” em “signos distintivos”  (Bourdieu, 2007a, p.144), por meio do qual o habitus estabeleceria, perante esses esquemas classificatórios, o que é requintado e o que é vulgar, sempre de forma relacional, já que, por exemplo, “o mesmo comportamento ou o mesmo bem pode parecer distinto para um, pretencioso ou ostentatório para outro, e vulgar para um terceiro” (Bourdieu, 1996, p.22) (Gondim, 2017, p. 26).

 

 

Márcio Coelho

Mestre em Estado, Governo e Políticas Públicas pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais – FLACSO.

Mestre e doutor em linguística, pela USP.

Secretário de cultura do PT de Ribeirão Preto.



[1] Catani, A. M. et alii Vocabulário Bourdieu, Autêntica Editora, São Paulo, 2017.

 

[3] https://www.youtube.com/watch?v=R5J-zXXn2aI&t=5915s, visto pela última vem, em 02/06/2023.

 

[4] https://www.youtube.com/watch?v=R5J-zXXn2aI&t=5915s, visto pela última vem, em 02/06/2023.

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Márcio Coelho é Secretário do Setorial de Cultura do PT/RP Seja Companheiro, faça sua doação ao PT de Ribeirão Preto

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