Campo, campo social ou espaço social
Ilustração: Ana Favaretto
Este e outros artigos que escreverei sobre os conceitos forjados pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu são partes da dissertação “EGRESSOS DO PROGRAMA RIBEIRÃO CRIANÇA (SP): capital cultural, mudança de habitus e mobilidade social”, apresentada à Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, Brasil, no âmbito do curso “Maestría Estado, Gobierno Y Políticas Públicas”, em parceria com a Fundação Perseu Abramo
O nome “teoria dos campos” nos remete a, pelo menos, três áreas, a saber, física, psicanálise e sociologia. Como não poderia deixar de ser, nosso objeto no presente trabalho é a “Teoria dos Campos Sociais”, construída pelo francês Pierre Félix Bourdieu.
Como se sabe, não é tão fácil
encontrar definições de conceitos criados por Bourdieu em suas obras, portanto,
louvo a iniciativa do professor Catani, organizador do Vocabulário Bourdieu[1].
Entretanto, devido, talvez, ao nível de abstração que a teoria bourdieusiana
exige, não creio que um leitor iniciante na obra do sociólogo francês, apenas
com a leitura do Vocabulário Bourdieu, seja capaz de compreender com
significativa profundidade tais conceitos.
Sendo assim, além das definições dos
conceitos selecionadas no Vocabulário Bourdieu, seguirão comentários
resultantes de apontamentos de aulas, livros, textos e outras fontes.
Buscarei, também, não transcrever os
verbetes em sua totalidade, mas somente os excertos que julgar imprescindíveis,
sempre seguidos de paráfrases. Com isso,
tenho a expectativa de facilitar a iniciação aos conceitos bourdieusianos.
O que seria exatamente um campo,
do ponto de vista de Pierre Bourdieu?
Com sua teoria dos
campos, Pierre Bourdieu pretendeu propor um modelo bastante geral para pensarmos
nossas sociedades diferenciadas. “Nas sociedades altamente diferenciadas”,
escreveu ele, “o cosmo social é constituído pelo conjunto desses microcosmos
sociais relativamente autônomos, espaços de relações objetivas que são o
lugar de uma lógica e de uma necessidade especificas e irredutíveis àquelas
que regem os outros campos. Por exemplo, o campo artístico, o campo religioso
ou o campo econômico obedecem a lógicas diferentes: o campo econômico
emergiu, historicamente, enquanto universo no qual, como se diz, ‘amigos,
amigos, negócios a parte’, business is business, e do qual as relações
- envoltas em encantamento - de parentesco, amizade e amor são, em princípio,
excluídas. Pelo contrário, o campo artístico constituiu-se na e pela recusa,
ou inversão, da lei do lucro material”. (Catani, 2017, p. 64) |
Este excerto deixa claro
que: I. O tecido social (cosmo social) é formado por “retalhos” da sociedade
(microcosmos sociais). II. Os campos (microcosmos sociais) são relativamente
autônomos e todos têm mecanismos de funcionamento e regras que não se confundem
com outros campos. Ao campo futebolístico é impossível aplicar a mesma lógica
do campo jurídico, por exemplo: no campo jurídico, diferentemente do campo
futebolístico, o acusado tem direito a um advogado de defesa, enquanto no campo
futebolístico não há quem possa se contrapor à decisão de um juiz; ao jogador
não é dado o direito do contraditório.
De acordo com o
Vocabulário Bourdieu, o sociólogo francês construiu o conceito de campo a partir
da combinação de conceitos de Durkheim e Weber. Embora Bourdieu tenha retomado
inúmeras vezes o conceito de campo, seu entendimento se tornou difícil “pelas
minúsculas inflexões que o conceito sofre por ocasião de cada utilização
particular que Bourdieu faz dele” (Catani, 2017, p. 64).
A seguir, o elementos
fundamentais e relativamente invariantes da definição de campo, que foram
extraído pelos autores de obras e artigos de Bourdieu, sobre campo:
·
Um campo é um microcosmo incluído no macrocosmo
constituído pelo espaço social global (nacional ou, mais raramente,
internacional). ·
Cada campo possui regras do jogo e desafios
específicos, irredutíveis às regras do jogo e aos desafios dos outros campos.
Por exemplo, o que mobiliza um matemático — e a maneira como mobiliza — nada
tem a ver com o que mobiliza — e a maneira como o faz — um industrial ou um
grande costureiro. Os interesses sociais são sempre específicos a cada campo
e, portanto, não se reduzem ao interesse de tipo econômico. ·
Um campo é um “sistema’ ou um “espaço” estruturado de
posições ocupadas pelos diferentes agentes do campo. As práticas e
estratégias dos agentes só se tornam compreensíveis se forem relacionadas às
suas posições no campo. Entre as estratégias invariantes, encontra-se a
oposição entre as estratégias de conservação e as estratégias de subversão do
estado da relação de forças existente: as primeiras são mais frequentemente
as estratégias dos dominantes, enquanto as segundas correspondem as dos
dominados (e, entre eles, mais particularmente, dos “recém-chegados” no
campo). Essa oposição pode assumir a forma de um conflito entre “velhos” e
“novos”, “ortodoxos” e “heterodoxos”, “conservadores” e “revolucionários”
etc. ·
Esse espaço é um espago de lutas, uma arena onde está
em jogo uma concorrência ou competição entre os agentes que ocupam as
diversas posições. ·
O objetivo dessas lutas reside na apropriação do
capital específico do campo (obtenção do monopólio do capital específico
legitimo) e/ou a redefinição desse capital. ·
Esse capital é desigualmente distribuído no seio do
campo. Por conseguinte, existem, nele, dominantes e dominados. A distribuição
desigual do capital determina a estrutura do campo que é definido, portanto,
pelo estado de uma relação de forças histórica entre as forças (agentes e
instituições) em confronto no campo. ·
Em luta uns contra os outros, todos os agentes de um
campo têm, contudo, interesse em que o campo exista. Eles mantém, portanto,
uma “cumplicidade objetiva” para além das lutas que os opõem. ·
A cada campo corresponde um habitus (sistema de
disposições incorporadas) próprio do campo (habitus filológico, habitus
jurídico, habitus futebolístico etc.). Apenas os que tiverem incorporado o
habitus próprio do campo estão em condições de disputar o jogo e de acreditar
na importância dele. ·
Todo campo possui uma autonomia relativa: as lutas que
se desenrolam em seu interior tem uma lógica própria, mesmo que o resultado
das lutas (econômicas sociais, políticas etc.) externas ao campo pese
fortemente no desfecho das relações de força internas. Essa
lista de propriedades deve ser considerada como um resumo provisório do
estado da pesquisa na matéria — baseado em uma série (limitada, mesmo que já
importante) de estudos de casos, mais ou menos bem conduzidos e mais ou menos
detalhados — que permite orientar o pesquisador no decorrer de suas pesquisas
(Catani, 2017, pp. 64-66).
|
Muito importante destacar que o campo não é um espaço físico, mas um
espaço abstrato de atuação social.
A seguir, exporei explicações do conceito de campo feitas pelo professor
Clóvis de Barros Filho, no curso “Meditações Pascalianas”, realizado pela Casa
do Saber, que citarei de memória e a partir de apontamentos de aula[2].
Segundo Barros, campo é o orbital dos fenômenos sociais onde mais
provavelmente consigamos explicar as coisas. Se temos valores sociais, só
conseguiremos explicar a gênese desses valores sociais a partir do campo
específico em que esses valores valem. Por exemplo: para quem não atua no campo
acadêmico os valor acadêmicos não têm valor. Só nos campos os valores valem.
Fora deles, os valores são difusos.
O campo, de acordo com o professor, é um espaço de dominação, de poder.
É o instrumento sociológico legítimo para estudar o surgimento do certo de do
errado. Nele, os valores decorrem de um processo de dominação e de imposição do
interesse de uns sobre o interesse de outros. Convocando Jürgen
Habermas, afirma que o espaço público é um espaço de
convencimento, enquanto o campo é um espaço truculento de dominação.
A sociologia bourdieusiana trabalha com a ideia de “troféus”, que
simbolizam consagrações, prestígios e/ou capital que estão literalmente em jogo
nos campos. Para que um sujeito possa acumular capital é necessário que trace
uma estratégia, que, segundo Barros Filho, “é a articulação de meios e fins.
Ações que passam pela sua cabeça e que tem como consequência imaginada uma
aproximação dos troféus. Quem diz aproximação dos troféus diz ganho de capital
específico do campo”. Sendo assim, estratégia é: i. Articulação de meios para a
disponibilização de capitais para a aproximação progressiva dos troféus; ii. Acumulação
de capital para a acumulação de capital; iii. Mobilização de energia para
conseguir mais recursos; iv. É a organização dos próprios recursos com vistas a
dispor de mais recursos. Sem que se esqueça que o capital só vale no orbital
que lhe corresponde.
Seguindo o raciocínio do professor
Clóvis, os campos são espaços abstratos em que os agentes sociais articulam
meios e recursos para obter troféus específicos. Todo campo social é um espaço
de estratégias, porém, nem todas as estratégias são aceitáveis. O campo é que define
quais são as estratégias válidas e prevê sanções para a heresia da estratégia
indigna. No campo futebolístico, copiar um concorrente do troféu pode nos
render, dependendo do campo, prestígio, distinção, isto é, quando um jogador
copia uma grande jogada de um jogador de grande prestígio, como o “elástico” –
drible criado por Roberto Rivelino –, pode ser que acumule prestígio. No
entanto, no campo acadêmico, copiar um concorrente é a maior das heresias,
assim como ocorre no campo artístico.
Clóvis de Barros, em seu curso “Meditações Pascalianas”, segue
elucidando a noção de campo social.
Se queremos compreender o comportamento de alguém na
sociedade, saiba: a parte consciente e estratégica da nossa ação não é o mais
importante, o mais significativo e o mais importante de ser estudado. A
influência dos campos sociais sobre o nosso comportamento é muito mais
significativa naquilo que não percebemos, não articulamos, não passa pela
nossa consciência e não se traduz em estratégias.
|
A influência da sociedade sobre o nosso comportamento tem a sua mais
sofisticada atuação naquilo que não percebemos. De acordo com o professor,
querer reduzir a importância do pertencimento ao campo às estratégias que
usamos para alcançar o que queremos alcançar “é ignorar o ‘filé-mignon’ da
nossa vida social, da influência decisiva da sociedade sobre o nosso
comportamento, que se dá para além da nossa consciência, da nossa estratégia,
do nosso dar conta de”.
De acordo com o curso “Meditações Pascalianas”, o campo é um espaço de
diferenças e de dominação, portanto, tem dominantes e dominados. O dominante
está perto do troféu e o dominado está longe, assim como Lula e o vereador de
uma recôndita cidade brasileira. Para Bourdieu, as pessoas não se equivalem. O
campo não é um espaço democrático, nem cristão, nem homogêneo, nem de
igualdades.
Importante notar que Barros Filho introduz, aqui, a noção de troféu, que
etimológica e literalmente trata do conjunto dos despojos do inimigo derrotado,
como armas, bandeiras etc., expostos após a vitória, com o intuito de
autopromoção e, consequentemente, de conquistar prestígio na comunidade.
Do ponto de vista sociológico, não é muito diferente. Todos os sujeitos,
em campos determinados, estão em busca de troféus que denotam os mais variados
interesses individuais, seja prestígio, capital econômico, capital social etc.
Dito isto, devemos nos perguntar: O que pode pretender o dominante (ou
dominantes) dentro do campo, se ele já tem o troféu? Exatamente a conservação
da sua condição, isto é, da sua posição no campo.
Fernando Henrique Cardoso era um homem de esquerda, um social-democrata,
até sentir necessidade de manter seu poder. O restante dessa história todos
conhecemos
E o que pode querer um dominado que
aceita as regras do jogo do campo? Subverter o campo. Eis o fundamento da
oposição conservadorismo x subversão. O campo é fundamentalmente a competição
entre dominantes e dominados, isto é, entre conservadores e subversivos. Assim,
ganha sentido a expressão “não largar o osso”, que significa não
renunciar a alguma coisa que seja muito boa. Importante ressaltar que os termos
conservadorismo e subversão, neste caso, não têm uma conexão direta com o
significado usual na política, que também faz distinção entre conservadorismo
de costumes e econômico. O que está em jogo aqui é a conservação da posição no
campo e a luta para subverter a ordem estabelecida pelo próprio campo.
Clovis
Barros de Barros filho teve a fortuna de ter sido orientando de Bourdieu e
acompanhou seu curso no Collège de France. No Curso “meditações
Pascalianas”, ele afirma que o professor francês lhe emitiu o seguinte
enunciado: “O interesse
social transcende, e muito, o apetite orgânico dos corpos”. Sendo assim, “O
campo será tanto mais estruturado quanto mais as posições sociais que o
constituem independerem das características particulares dos seus ocupantes
provisórios”.
Não é difícil inferir que o posto a ser ocupado no campo é que é
importante, os ocupantes são passageiros. Barros Filho exemplifica: “em geral,
é a USP que empresta capital a um professor. Numa faculdade particular, em
tese, quem empresta capital é o professor que tem acúmulo de capitais,
inclusive aqueles adquiridos exatamente por ser ou ter sido professor da USP.
Conclui o professor afirmando que “a perspectiva de ganho de capital simbólico é relativamente autônoma da existência
orgânica dos corpos. O
capital social transcende a vida orgânica dos corpos supostamente detentores
desse capital porque a nossa vida social dura muito mais do que nossa vida
orgânica. Isso quer dizer
que, mesmo depois de morto, podemos continuar interferindo no campo.
Fábio Rodrigues Silva, no
curso de extensão “Breve Introdução ao Pensamento de Pierre Bourdieu”,
oferecido pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/USP, apresenta
a noção de campo, em tradução livre, a partir de uma citação do livro “La producion
de la croyance”, de Pierre Bourdieu.
O Campo é um local de energia social
acumulada que os agentes e as instituições contribuem para reproduzir através
das lutas nas quais eles tentam se apropriar dela e nas quais utilizam o que
adquiriram em lutas anteriores” (Bourdieu, apud, Fabio da Silva)[3]. |
Importante ressaltar que
classe, na teoria bourdieusiana é um conceito absolutamente relacional e não é
reduzido à questão econômica. As classes são recortes no espaço social e formam
conjuntos de agentes que ocupam posições semelhantes. Esses agentes, se
colocados em posições semelhantes e submetidos a condicionamentos semelhantes,
têm todas as chances de ter disposições e interesses semelhantes, portanto de
produzir práticas e tomadas de posição semelhantes. Tais condicionamentos fazem
parte do conceito de habitus, que veremos em outro artigo.
A noção de classe de
Bourdieu tem pouca – ou quase nenhuma – relação com a noção de classe na teoria
marxiana. Por exemplo: No campo acadêmico, pode haver a classe dos professores
assistentes e a classe dos professores titulares.
Já
que tocamos no conceito de classes, que podem coexistir num mesmo campo, e na
ideia de campo de lutas, considero importante abrir um parêntese para explicar
a noção de doxa.
Doxa diz respeito aos
pressupostos de um campo, isto é, a coisas que não precisam ser ditas, mas que
funcionam e são efetivas dentro de um campo. Por exemplo: Em relação ao
futebol, é quase impossível que alguém questione o fato de que quem faz mais
gol ganha o jogo. É impossível que se questione a doxa do campo futebolístico sem
que se destrua o jogo. Os artistas, em geral, creem que o talento seja inato,
mas Bourdieu questiona a doxa artística.
Portanto, na classe dos
ortodoxos estão aqueles que defendem a doxa, e, na classe dos heterodoxos,
estão os agentes que não só questionam a doxa como tentam impor a mudança da
doxa. Exemplo: Algum cantor que atue no meio do chamado “sertanejo
universitário” pode questionar a “arte pela arte” e dizer que isso “está por
fora, arte é para fazer dinheiro”.
É sabido que o ganho
econômico é, em alguma medida, a finalidade da produção artística. No entanto,
o tempo de circulação da arte comercial e produção da pretensa “arte pela arte”
é diferente. A arte comercial é produzida para ser vendida imediatamente. A
arte pela arte demora para ser consagrada, mas, ao fim dos tempos, pode
alcançar os mesmos trunfos financeiros, só que em tempo mais alargado. Só não
podemos deixar sumir de nosso horizonte o fato de que, na teoria aqui
utilizada, tudo é probabilidade e indeterminação.
A história do campo é a
história da luta do e no campo, exemplo: quando o abstracionismo se estabelece,
passa a ser presente e o impressionismo, passado.
Para Bourdieu, o que
ocorre no campo da arte é:
Conflito entre duas estéticas, a oposição
entre as frações dominadas e as frações dominantes da classe dominante, ou
seja, entre o poder cultural e o poder econômico é político. Os conflitos
propriamente estéticos sobre a visão legítima do mundo, ou seja, sobre o que
merece ser representado e sobre a maneira correta de representá-lo, são
conflitos políticos (supremamente eufemizados) pela imposição da definição
dominante da realidade e, em particular, da realidade social” – La producion
de la croyance. (Bourdieu, apud, Fabio da Silva)[4]. |
O livro Capital Cultural e Ensino de Arte: formação,
concepções estéticas e práticas de consumo cultural, da pesquisadora
Janedalva Pontes Gondim, foi de crucial importância para que eu começasse a me
sentir mais íntimo da teoria bourdieusiana, mormente no que concerne à noção de
“capital cultural” - que veremos em outro artigo, com a ênfase que ele exige -,
mas também a muitos outros conceitos que até então se me apresentavam confusos.
A autora, dentre os vários aspectos
do campo já apresentados, chama a atenção para o fato de que os campos sociais
– ou campo – têm estrutura própria, com um grau significante de autonomia em
relação a outros espaços sociais. Essa autonomia é corroborada pela baixo grau
de transportabilidade de capitais de uma campo para outro, isto é, o capital
acadêmico de um agente não é transponível para o campo artístico-musical, por
exemplo.
Nessa composição do espaço social,
existiriam “campos” dos mais variados tipos, pois, para Bourdieu (1994), os
campos sociais surgem como produtos de um longo e lento processo de
especialização e de autonomia, sendo possível falar de campo econômico, campo
político, campo cultural etc., e nesse aspecto, os agentes se distribuem no campo
segundo o volume total de capital e de sua composição (Bourdieu, 1994, 2001),
(Gondim, 2017, p. 26). |
A entrada de um agente em
um campo exige certo volume de capital específico do campo, isto é, um agente
só poderá adentrar ao campo artístico, ou em qualquer subcampo do campo
artístico (musical, teatral, circense etc.), quando ele tiver certo volume de
capital adquirido. Em outras palavras, um agente que queira participar do campo
musical, um subcampo do campo artístico, tem de haver acumulado, no mínimo,
conhecimentos acerca de como cantar ou tocar algum instrumento. Não há espaço
no campo musical para aqueles que sejam apenas apreciador da música. Depois
disso, ele pode entrar no jogo e disputar as melhores posições no campo.
A partir da especificidade do funcionamento
de cada campo, podemos verificar as relações de aliança e/ou conflito, de
concorrência e/ou de cooperação que os agentes travam para conquistar
posições e capital que estão distribuídos conforme o volume de capital
específico no interior de cada campo (Bourdieu, 1994, apud, Gondim, 2017, p.
26). |
Para ir finalizando essa
exposição sobre campo social, é importante reafirmar que, do ponto de vista de
Bourdieu, o capital social não diz respeito apenas à sua forma econômica, mas a
“todo o recurso ou poder que se manifestam em uma atividade social, seja capital
econômico ( renda, salários, imóveis – propriedade, de maneira mais
geral), capital cultural (saberes, conhecimentos reconhecidos, em sua
forma objetivada, incorporada e/ou certificada por diplomas e títulos) ou capital
social (relações sociais que podem ser convertidas em recursos de dominação”.
(Gondim, 2017, pp. 26-27).
Oportunamente,
tratarei especificamente do capital cultural e buscarei deslindar a noção de
capital cultural e suas formas, a saber, objetivada, incorporada e certificada.
De acordo com o professor
Clóvis de Barros, um campo social – ou espaço social - é um espaço de posições
sociais, ou seja, um espaço no qual agentes sociais ocupam posições sociais. As
relações sociais estão à mercê das posições sociais daqueles que se relacionam.
Como
já dito, é importante ressaltar que o espaço social não é um espaço físico, é
um espaço abstrato. Eventualmente, espaços físicos podem conter agentes de um
campo de forma muito recorrente e intensa, mas isso é uma coincidência, pois as
relações sociais pode se dar em qualquer lugar.
Portanto, as relações
sociais não são geográficas, elas são simbólicas. Em geral, elas não têm
relação com as posições geográficas. Assim como as distâncias sociais não
mantém relação alguma com as distâncias físicas. Por exemplo: Quando o chefe da
empresa entra no elevador com a moça que serve café, a distância física não
elimina a distância social. Outro exemplo são os encontros promovidos para
diminuir as distâncias entre agentes de posições sociais diferentes, como o
“café da manhã com o chefe”, que não passam de pura ilusão de diminuição de
eliminação da distância social. O campo social é um espaço de posições e de
distâncias, e “as distâncias simbólicas não se apagam colocando uma pessoa na
frente da outra”.
De acordo com o professor,
posição social “é aquilo que tudo o que você define é, e aquilo que só o que
você define é”. Por exemplo: para
definir “banana”, temos que dar uma definição que compreenda todas as
bananas e dar uma definição que não inclua “pera”, ou seja, uma definição
universal e própria.
Portanto, as posições são
definíveis em relação às outras. A definição, portanto, é relacional. Por
tautologia, uma coisa é o que o outro não é
e vice-versa. Por exemplo: Um chefe não é definível por ele mesmo, mas só
em função do seu subordinado Como se define o norte? É aquilo que não é o sul e
vice-versa. Para situarmos o
ponto X no universo, temos de relacioná-lo com outro ponto, como o Y.
Clóvis de Barros Filho nos informa que “um campo
é um espaço de posições definíveis reflexivamente”. Essa reflexividade sempre
ocorre a partir de eixos estruturantes do campo. Eixos em torno dos quais as
posições ganham a sua simetria de reflexividade. Exemplo: direita e esquerda
políticas. A partir do eixo direita esquerda, eu consigo aproximar ou
distanciar.
Se tenho claro que todo campo é estruturado e o que seja a oposição
reflexiva direita x esquerda, percebo claramente, também, a oposição entre o PL
(Partido Liberal) e o PT (Partido dos Trabalhadores).
O campo jornalístico tem vários eixos. Um deles é jornalismo de massa x
jornalismo alternativo. No concernente a veículos, podemos citar o eixo TV x
Rádio.
Campos Sociais são espaços estruturados de posição. Todo campo tem
regras, que podem ser jurídicas ou resultado de uma aceitação tácita, isto é,
regras que não são oficiais, que não estão registradas, mas que são respeitadas
por todos.
Seguindo o raciocínio do professor, compreendemos que o campo é
paradoxal, isto é, é ao mesmo tempo arena de luta e de concordâncias. São
espaços, ao mesmo tempo, de conflito, competição e de concordância implícita
sobre o seu funcionamento. Portanto, todos os jogadores são responsáveis pela
manutenção do jogo. São ao mesmo tempo competidores e defensores das condições
de reprodução do jogo. Daí a ambiguidade de todo campo.
No campo, os agentes rivalizam e, ao mesmo tempo, quando necessário, se
unem. Algo como a frente ampla construída por Lula e pelo PT para as eleições
de 2022. O campo tem dupla dinâmica: enfrentamento e cumplicidade.
Importante salientar que todo campo tem os jogadores que estão jogando e
os que querem jogar, mas ainda não estão jogando. Bourdieu os chama de
“pretendentes”. Clóvis de Barros Filho faz a seguinte analogia, imaginando um
jogo de roleta: “As pessoas não estão jogando o jogo com a mesma quantidade de
fichas. Essas fichas são chamadas de capital social”.
O professor Fábio Ribeiro da Silva, em seu
curso supracitado, chama a atenção para um fenômeno denominado histerese, que é “a tendência de um
sistema de conservar suas propriedades na ausência de um estímulo que as gerou,
ou ainda, é a capacidade de preservar uma deformação efetuada por um estímulo[5]”.
Desse modo, “a histerese entre campo e habitus acontece quando ocorre uma mudança no
campo, ou nas posições dentro de um campo, mas pessoas que tem certo habitus
não conseguem gerar disposições adequadas a essa mudança”, por exemplo: Se uma
família muito rica perde seu poder econômico, o “certo” seria essa família
mudar seus hábitos de alimentação, entre outros. No entanto, todos nós sabemos
que esse tipo de mudança não se implementa de maneira tranquila e fácil.
Considero
pertinente finalizar esse tópico com uma citação do livro de Janedava Gondim,
que, do meu ponto de vista, resume campo social e seu caráter relacional:
Por
essa lógica, o espaço social poderia ser concebido como um “espaço dos
estilos de vida”, cujos princípios de organização transformam práticas e,
sobretudo, “maneiras” em “signos distintivos”
(Bourdieu, 2007a, p.144), por meio do qual o habitus estabeleceria,
perante esses esquemas classificatórios, o que é requintado e o que é vulgar,
sempre de forma relacional, já que, por exemplo, “o mesmo comportamento ou o
mesmo bem pode parecer distinto para um, pretencioso ou ostentatório para
outro, e vulgar para um terceiro” (Bourdieu, 1996, p.22) (Gondim, 2017, p.
26). |
Márcio
Coelho
Mestre em
Estado, Governo e Políticas Públicas pela Faculdade Latino-Americana de
Ciências Sociais – FLACSO.
Mestre e
doutor em linguística, pela USP.
Secretário de
cultura do PT de Ribeirão Preto.
[1]
Catani,
A. M. et alii Vocabulário Bourdieu, Autêntica Editora, São Paulo, 2017.
[2]
https://www.youtube.com/playlist?list=PLQ-hk_TNIx2vbvmsU_aonr5PkRm7jazWk,
visto pela última vem, em 02/06/2023.
[3]
https://www.youtube.com/watch?v=R5J-zXXn2aI&t=5915s, visto pela última vem, em 02/06/2023.
[4]
https://www.youtube.com/watch?v=R5J-zXXn2aI&t=5915s, visto pela última vem, em 02/06/2023.
Márcio Coelho é Secretário do Setorial de Cultura do PT/RP
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