Leopoldo Vieira: A autocrítica que importa

Leopoldo Vieira: A autocrítica que importa

Na última sexta-feira, 11/11, reuniu-se a direção nacional do Partidos dos Trabalhadores, decidiu-se substituir as eleições diretas por um colégio eleitoral para escolher o comando do partido. Um caminho do meio para não retornar ao tempo em que encontros de dirigentes intermediários escolhiam os dirigentes de ponta.

 

Será também a hora do balanço.

 

A internet registrou, nos últimos dias, inúmeras discussões sobre o que levou à queda do governo Dilma Rousseff, à crise do partido e caminhos para a ressurreição.

 

Regra geral, escuta-se e lê-se que os problemas estariam no abandono do socialismo, não terem sido feitas reformas estruturantes - como a política e a da mídia - alianças amplas fora dos marcos da esquerda. Em contrapartida, os tambores da retomada clamam pela investidura na utopia, nas lutas, nas ruas, nos sonhos etc.

 

Na feira de autocríticas inaugurada, esquecem que delas o PT está cheio, cujo maior pacote vem do V Congresso, em 2015, onde "Não ter estabelecido como tarefas prioritárias, desde o princípio, a reforma do sistema político e a democratização dos meios de comunicação" está registrado na Carta de Salvador.

 

Além de que as reformas estatutárias e programáticas dos anos 90 não levaram a nada, sobretudo aos 13 anos de governo, o que parece fugir do visível é que as causas da situação atual possuem explicações bem mais prosaicas.

 

Se estava no governo ou no poder, pouco importa. O PT era o coração do sistema político.

 

Optou, ainda no primeiro mandato de Dilma Rousseff pela "faxina" da corrupção, aceitando a queda de ministros pela imprensa, o que serviu para desestabilizar sobremaneira a confiança de sua base de apoio.

 

Escolheu uma relação de ira com Eduardo Cunha, que virou seu inimigo pessoal. Um entre mais de 500 deputados, o que lhe deu uma importância desproporcional ao peso político.

 

Mergulhou de corpo inteiro na microgestão. Anunciou um sistema de câmeras que permitiria até monitorar filas de hospitais, enquanto o cotidiano da articulação política ficava em segundo plano. Todos conheciam a aversão ao meio político e, não sem estímulo de áulicos do entorno, com ênfase no anti-peemedebismo.

 

Rompeu com a política de alianças vigente, formulada em 1995, atualizada em 2002 e ratificada em 2005, 2006, 2010 e 2014. Quem não lembra de tantos movimentos para inflar o PSD para concorrer com o PMDB, ou o completo alijamento deste aliado do núcleo decisório da gestão, apesar de alertas do atual presidente do senado e do então vice-presidente Michel Temer?

 

Fazia nomeações ministeriais de partidos aliados, com destaque para as do PMDB, sem consulta aos próprios partidos e começava os ajustamentos orçamentários pelo corte nas emendas parlamentares do Congresso Nacional.

 

Resolveu enfrentar o sistema político com medidas administrativas, substituindo espaços políticos por indicações tecnocráticas com supostas motivações moralizantes.

 

Rompeu com as diretrizes do programa da reeleição registrado do TSE após as contribuições do PMDB.

 

Aplicou, entre 2011-2014, um desenvolvimentismo tardio, de cunho teórico e academicista, em substituição à ampla consertação econômica de Lula, que acabou numa redução de juros e numa isenção à indústria - ambas sem pactuação - que lançou o País numa enorme crise fiscal.

 

Ao eleger o ajuste fiscal, bandeira do seu adversário, como a única proposta do governo, sem explicação política, e que ainda começava com revisões do seguro desemprego, seguro defeso e pensões, deu um tiro na confiança da classe C, produto dos dois mandatos de Lula, que lhe garantiu a vitória ao prometer proteger empregos e salários.

 

Depois, ignorou solenemente o programa da Carta de Salvador, alicerçado em dois pilares no que tangia ao governo federal: a) ir das políticas públicas às reformas de base; e b) avançar das caixinhas administrativas para um sistema de planejamento democrático.

 

A participação social no governo virou uma caixinha de interação digital, quando poderia ter avançado para integrar-se ao planejamento público e articular, em nível decisório, os movimentos sociais e os beneficiários dos programas sociais.

 

As medidas de fortalecimento das corporações judiciais e militares acabaram gerando uma série de violações abusivas ao sistema político, mas o governo, com a retórica do republicanismo, permitiu que isso chegasse à crise da democracia, o ataque voraz às lideranças partidárias e gerasse fatia considerável da depressão econômica, além da completa ingovernabilidade.

 

Em nenhum momento da resistência ao julgamento político, fez gestos contundentes à causa fundamental da recordista impopularidade: os mais pobres e os trabalhadores, a classe C, D e E, como um programa de combate ao desemprego de 10%. Escolheu insuflar a classe média de esquerda.

 

Nos derradeiros dias do Impeachment, impôs a defesa de uma biografia (que só 30% apoiavam retornar ao Planalto) ao invés de uma plataforma para saída política, como a eleições gerais (que respondia à rejeição da ex-presidenta no Congresso e na sociedade), reforma política com plebiscito e constituinte exclusiva (que respondia à rejeição da corrupção), ou autocrítica das linhas gerais do ajuste fiscal (que respondia para a classe C), que sequer foi aprovado. Quando lançou a carta aos senadores, não havia mais timing político e, na defesa pessoal diante deles, nenhuma autocrítica da condução política e econômica de governo foi feita.

 

Agora, insiste em pôr a conta nos Estados Unidos, numa conspiração invencível e desmotivada de ex-aliados e até no "Lulismo" que, conciliando opostos a partir da voz dos mais pobres e trabalhadores, transformou o pacto das elites em pacto nacional, promovendo, com aliança da esquerda ao centro, recordes de empregos e mobilidade social, e tornando o "vira-lata" num player internacional?

 

O partido quer mesmo dialogar com o meio político, os trabalhadores e a classe C ou só com militantes de partidos de esquerda?

 

É realmente tão difícil reconhecer aqueles erros fundamentais?

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