Feres Sabino: A punição dos pobres
Conta-se nessa gestão contra a violência a necessidade do espetáculo para cada ação policial, o que constitui o novo ritual da sociedade de consumo, como querendo dizer agora, que, amanhã, ela será melhor, graças à polícia e a seus parceiros da lei.
Já constitui estudo sociológico a tendência firmada na Europa no final do século passado, e vinte anos antes nos Estados Unidos, na gestão do combate à violência, de criminalização e punição dos pobres, política pública que multiplicou a população carcerária não só dos Estados Unidos. Conta-se nessa gestão contra a violência a necessidade do espetáculo para cada ação policial, o que constitui o novo ritual da sociedade de consumo, como querendo dizer agora, que, amanhã, ela será melhor, graças à polícia e a seus parceiros da lei.
O estudo enraíza-se no chamado neoliberalismo, que festeja o Estado mínimo, a revogação de benefícios sociais, a precarização das relações do trabalho, austeridade fiscal e o mercado desregulamentado, pai da crise financeira que abalou o mundo em 2008, e cujos efeitos são sentidos gravemente até hoje.
Nessa vertente de pensamento é que se colocou, inadvertidamente, o projeto de lei que entrou na pauta da Câmara Municipal de Ribeirão Preto, mas que foi retirado, após forte pressão da Comissão Antidiscriminação e Direitos Humanos, da 12ª Subseção da OAB de Ribeirão Preto e região.
O tal projeto visava, em síntese, proibir mendigos ou moradores de rua de pedirem esmola e de artistas exibirem suas artes nos semáforos da cidade.
Os textos que serviram à oposição ao projeto são do brilhante advogado Eduardo Silveira Martins, e sinteticamente apontam as violações jurídicas e os efeitos sociais perversos de tal projeto, com os precedentes dos tribunais, que já tinham declarado a inconstitucionalidade de projetos iguais, da cidade de Franca e Campinas.
Não é pelo acontecido agora, mas a Câmara de Ribeirão Preto já foi considerada em acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo, durante um bom tempo, a fabricante recordista de leis inconstitucionais.
Não só por isso a Comissão de Constituição e Justiça, que se manifesta obrigatoriamente na tramitação de qualquer projeto, deveria ter rejeitado liminarmente o prosseguimento de tal matéria, tal a intensidade de sua afronta à lei fundamental do país, que é nossa Constituição, como ao nosso Código Civil, que estabelece que os logradouros públicos, que constituem áreas de uso comum do povo, todos possam usá-los sem restrições, dispensando para isso qualquer permissão especial.
Essa obviedade jurídico-social, quando não a eficaz fiscalização da advocacia militante, deve servir de alerta aos agentes políticos, para que compreendam adequadamente o juramento que juram quando assumem as respectivas cadeiras de representantes do povo.
É verdade que, uma vez, ouviu-se que as leis inconstitucionais eram importantes porque queriam mudança na Constituição, mas tal justificativa se não se enquadra no humor político, se qualifica com rematada ignorância.
No esforço que a nova Câmara tem feito para se firmar no conceito e no apreço popular, espera-se que tal precedente, longe de aumentar preconceito, será uma alavanca de esforço de compreensão e clareza para cada ato e projeto parlamentar.
E quanto à vertente nascida do neoliberalismo, seu registro serve para que resistamos à tentação de revogar, em nossa vida diária e em nosso contexto social, a prática teimosa da tolerância e da solidariedade social.
---Feres Sabino é advogado
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