Uma análise de São Paulo: terra de contradições, por Eduardo Tadeu Pereira
Foto: ABM
"...Os que militam a partir dos anos 1970 e, principalmente os mais jovens, só viram a esquerda crescer social e eleitoralmente. As perdas foram circunstanciais. Houve dificuldades, como no Plano Cruzado e no Plano Real, mas a curva era de crescimento da influência das esquerdas. É a primeira vez que uma boa parte de nós vê uma queda como a que estamos sofrendo. E será a primeira vez que muitos e muitas de nós irão viver em um período de resistência..."
Introdução
O estado de São Paulo foi historicamente governado por partidos de direita. Em 2014, no bojo dos debates para a construção do Plano de Governo da coligação em torno da candidatura Padilha Governador, constatou-se a necessidade de estruturar um banco de dados e indicadores e um sistema de análise dos diferentes contextos sociais, econômicos e políticos, visando estabelecer um contraponto ao modelo de gestão vigente há tantas décadas. Especialistas e militantes em políticas públicas se reuniram e, não apenas realizaram este levantamento, como também formularam propostas para a construção de um estado capaz de atingir um nível de desenvolvimento compatível com seus potenciais e em sintonia com a inclusão social, desenvolvimento sustentável e ocupação justa de seu território. Assim surge o Projeto São Paulo, hoje uma das frentes de atuação da Fundação Perseu Abramo que segue com o seu propósito inicial: a construção de um estado mais democrático e inclusivo.
Contextualizando
Quem conhece e vive em São Paulo em suas dimensões e configurações atuais não imagina que este estado, que hoje concentra grande parte da riqueza nacional, já teve papel periférico no cenário político e econômico nacional. São Paulo detém esta força há pouco mais de um século. No final dos anos 1890, a capital paulista tinha cerca de trinta mil habitantes.
De lá para cá, São Paulo se tornou o estado mais rico da federação. No começo do século 20 (anos 1900), tinha em seu território 15% da indústria nacional. Hoje, no século 21, concentra cerca de 35% do que há de indústrias no Brasil. Porém, há pouco mais de cinquenta anos, na década de 1950, chegara a ter 50% das indústrias do Brasil. Neste contexto, é importante lembrar que quase 1/4, ou seja, cerca de 22%, da população brasileira, mora em São Paulo e que ele representa 1/3 do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil.
Mesmo com todo esse potencial, o estado cresceu menos do que o Brasil nos anos em que o país obteve altos índices de desenvolvimento. Também é notável que a recessão tem sido mais forte em São Paulo, em relação aos demais estados brasileiros. O PIB nacional registrou queda em torno de 3% em 2016, enquanto o paulista caiu pouco mais de 4%. É nítido que o estado está perdendo força e importância em decorrência do modelo de gestão ao qual vem sendo submetido há décadas, que destoa do ritmo acelerado de desenvolvimento de outras regiões, graças às ações dos governos Lula e Dilma.
O poderio econômico paulista está concentrado na cidade de São Paulo e em um raio de mais ou menos 150 quilômetros da capital, na Grande São Paulo e regiões metropolitanas de Sorocaba, São José dos Campos e Campinas, território que detém 90% do PIB estadual. Vale lembrar que existem cinco regiões metropolitanas: São Paulo, Baixada Santista, Campinas, Vale do Paraíba e Sorocaba, além de uma “aglomeração urbana” na região de Jundiaí, em outro tipo de arranjo.
Exposto este cenário, fica evidente que grande parte da burguesia e elite nacional é paulista e está econômica e geograficamente localizada, majoritariamente, na cidade de São Paulo. Portanto, além de paulista, essa camada social é paulistana.
A direita se apropriou de São Paulo
O estado de São Paulo é historicamente governado por partidos de direita. O PSDB se mantém no governo há vinte anos consecutivos. No período anterior, estiveram à frente do Palácio dos Bandeirantes Montoro, Quércia e Fleury, do PMDB. A partir de 1995, a linha sucessória traz Covas, Alckmin, Serra (e seu vice Goldman por um período), que são o núcleo do tucanato nacional. A força do PSDB em São Paulo se reflete no cenário político nacional. Basta lembrar que desde a retomada das eleições presidenciais, em 1989, os candidatos a presidente do partido foram governadores de São Paulo (Covas em 1989, Serra em 2002 e 2010 e Alckmin em 2006). Houve uma exceção em 2014, quando o candidato foi Aécio Neves, de Minas Gerais.
Neste tempo à frente do governo paulista, o PSDB fez a lição de casa à moda neoliberal: fez privatizações desde a década de 1990, entregando a Telesp, Banespa e as elétricas e segue com esta política até os dias de hoje em relação ao Metrô e às estradas. A Nossa Caixa foi vendida para o Banco do Brasil durante o governo Lula, se mantendo como sociedade de economia mista, tendo o governo federal como acionista majoritário. Ao se desfazer do Banespa e da Nossa Caixa, o governo paulista abriu mão de instrumentos fundamentais para ações e investimentos no desenvolvimento do estado.
O reflexo do desgoverno na gestão pública
A política neoliberal adotada em São Paulo, a marginalização dos setores historicamente excluídos da sociedade e a incapacidade tucana de consolidar políticas públicas eficientes e sustentáveis nas diferentes áreas da gestão pública resultaram em um total desgoverno, que se evidencia nas diversas crises que o estado atravessou nas últimas décadas, como a falta de segurança, a crise hídrica, escândalos de corrupção, entre outros conflitos pontuados a seguir:
- PCC: Vemos a presença do PCC se irradiando nas periferias das cidades de São Paulo, tendo relação com o setor de segurança pública do estado. Essa “tecnologia” foi sendo exportada e hoje já apresenta ramificações e presença em vários outros estados, como vimos recentemente na crise penitenciária. É preciso olhar o PCC e suas articulações na sociedade e no governo para entender o estado.
- Saúde: São Paulo é um dos estados que menos participa da manutenção do SUS. Um exemplo desta realidade é o SAMU, um programa nacional cuja pactuação determina que governo federal assuma 50% do custo, os governos estaduais 25% e os governos municipais 25%. Porém, o governo paulista nunca arcou com a parcela que é de sua competência. Os municípios ou consórcios que aderiram ao SAMU custeiam 50%. Da mesma forma, o governo do estado se omite da responsabilidade com hospitais nos municípios e não participa das ações conjuntas, implantando isoladamente suas próprias estruturas de saúde, muitas vezes desconectadas e sem diálogo com os projetos do SUS nas regiões e cidades paulistas, mantendo-se alheio ao pacto federativo.
- Relação do governo do estado com as prefeituras: em geral, principalmente no que se refere às prefeituras do interior, o governo estadual se baseia em relações clientelistas, que o distancia de uma conduta republicana. Desta forma, concede recursos para os prefeitos de partidos aliados, em detrimento dos “adversários”, mantendo o interesse coletivo e as demandas da população em último plano.
- Corrupção: o governo estadual é um antro da corrupção. Estão escancarados os escândalos nas obras e licitações do Metrô e CPTM, porém há um grande conluio para blindar o governador e seus assessores, que envolve a mídia e os órgãos de fiscalização e controle, que agem com parcialidade em nome de interesses claramente pessoais e políticos, sem qualquer legitimidade. Um exemplo desta realidade é o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) de São Paulo, Robson Marinho. Indicado pelo governo tucano, ele julga as contas de gestores, mesmo com sua própria conta bancária na Suíça bloqueada. Foi afastado pelo Judiciário, mas continua a receber seus vencimentos.
O controle e compadrio dos poderes em SP
Outro fenômeno a se prestar atenção em São Paulo, e que se disseminou mais recentemente no país, como evidenciou o golpe, é o controle que o PSDB tem sobre a Assembleia Legislativa. Este controle se estende também sobre o Tribunal de Contas do Estado, o Ministério Público Estadual e o Judiciário.
Não é à toa que o presidente do Tribunal de Justiça do Estado, ao encerrar seu mandato, tornou-se Secretário da Educação do governo Alckmin, evidenciando as relações que se estabeleceram entre Executivo e Judiciário.
É importante ficar claro que o golpe foi dado pelo Congresso, com articulação da grande mídia e o abono do Judiciário e este arranjo é, provavelmente, o mais complexo que teremos que enfrentar. Esta judicialização da política significa a ditadura de um poder que nunca será submetido a voto popular. O sistema judiciário e o controle que ele exerce sobre a mídia e a política, acaba funcionando como um terceiro turno das eleições, como vimos recentemente nos pleitos municipais de 2016. Em muitas cidades do país foi o Judiciário quem decidiu, e continua a decidir, a validade do processo eleitoral, se os eleitos devem ser cassados ou não, havendo casos ainda sub judice.
Tem havido um evidente movimento de ampliação do conservadorismo no Estado. Atualmente temos apenas representantes da direita golpista no Senado: Aloysio Nunes e José Aníbal (suplente de Serra), do PSDB, e Marta Suplicy, do PMDB. Antes desta configuração, tivemos Eduardo Suplicy, desde 1990, Aloísio Mercadante, de 2003 a 2010 e Marta, pelo PT de 2010 a 2015. Ou seja, de uma representação majoritariamente do campo popular ou, no mínimo dividida, passamos a uma representação do estado no Senado exclusiva da direita neoliberal.
Esse conjunto de mudanças mostra o recuo da esquerda e do campo popular. Essa tendência não é recente e vem se manifestando gradativamente nos últimos anos. Isso explica o posicionamento e a incoerência de algumas legendas que, atentas a essa movimentação, abandonaram seus valores estruturantes. Isso se evidencia no comportamento do PSB.
O PSB é o plano B de Alckmin, partido de seu vice que espera disputar as próximas eleições para governador com seu apoio. Caso não seja o indicado do PSDB para as eleições presidenciais de 2018, ele já está pavimentando um caminho alternativo para disputar o Planalto.
A mídia paulista
O avanço conservador no Brasil e sua consolidação em São Paulo foi um movimento orquestrado por muitos atores. Além das elites, partidos de direita e o Judiciário, há um agente tão influente quanto todos eles na eclosão do golpe: a mídia. A hegemonia do PSDB em São Paulo não está apenas no poder do governo e no poder econômico da elite na Fiesp, mas na blindagem que a mídia garante aos tucanos, ignorando os problemas do estado. Mesmo nos períodos mais duros para o governo estadual, como a crise hídrica, as crises na segurança pública e os casos de corrupção na CPTM e no Metrô, para ficar em alguns casos, a mídia se empenhou para preservar o governo do estado e seu gestor.
Esta conduta foi nítida ao longo dos últimos quatro anos, ao compararmos o tratamento dispensado ao prefeito Fernando Haddad (PT) e ao governador Geraldo Alckmin, cujas gestões cotidianamente dividiram as páginas dos jornais. Foram explícitas as opções por buscar problemas na administração Haddad e esconder qualquer indício do governo estadual tucano.
Embora grande parte da população não leia jornal e as tiragens estejam cada vez mais inexpressivas, suas chamadas são abordadas pelas emissoras de rádio, inclusive nas nossas rádios comunitárias e nas TVs, já que, de forma geral, muitos veículos não têm estrutura ou mecanismos próprios de produzir reportagens. Mesmo as emissoras de grande porte, como a Rede Globo, apropriam-se dos impressos para repercuti-los à sua maneira, colocando foco naquilo que os convém.
Exceto a Rede Globo, os principais meios de comunicação do país estão em São Paulo. O principal é a Folha de S. Paulo, que está estampada nas bancas de jornal de todo o país.
A imprensa paulista não se considera uma imprensa do estado de São Paulo, mas nacional e, portanto, evitam abordar temas específicos sobre o estado. Os outros meios de comunicação adotam a mesma postura: focam na cidade de São Paulo - sobre o que Haddad teria feito de errado e agora com foco nas pirotecnias de Dória e seu secretariado.
A imprensa paulista se considera nacional porque a burguesia e a elite paulista, por seu poder econômico e social, se colocam como indutora da “direção” do país.
Outro ator que contribuiu decisivamente para a ofensiva da direita é a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Desde o início do século 20 ela tem se colocado como centro de articulação das políticas conservadoras do país e não foi diferente em relação ao golpe. Paulo Skaf, seu presidente, fez a melhor síntese deste momento: “Nós não vamos pagar o pato”. Isso significa: “A elite paulista diz que não paga o pato. Vamos dar o golpe para que trabalhadores e trabalhadoras o paguem...”
Esta situação demonstra que estamos disputando a luta de classes em São Paulo diretamente com a burguesia. A “elite nacional“ está instalada basicamente em território paulista, de onde se irradia a política neoliberal que tem sido aplicada rigorosamente no governo estadual.
Embora grande parte das correntes conservadoras e de direita tenham se estruturado e agido a partir de São Paulo, é importante destacar que o estado foi berço também de movimentos progressistas importantíssimos, como o novo sindicalismo, afinal o nascimento da CUT, da CTB, mas também da Força Sindical, da UGT se deu aqui.
Sobre os resultados das eleições
Os resultados das eleições municipais, ao serem analisados nacionalmente, em seu conjunto, foram devastadores para a esquerda. Do ponto de vista eleitoral, o PT elegeu apenas seis prefeitos e uma prefeita em São Paulo. Do ponto de vista populacional, as vitórias do partido se deram em cidades pequenas. Araraquara é que tem a maior população, seguida por Franco da Rocha e Cosmópolis. As demais são pequenas cidades.
Em 2012, o PT, partido mais forte da esquerda na época, elegeu cerca de setenta prefeitos (as), incluindo a capital, com seus doze milhões de habitantes e as principais cidades da Grande São Paulo, como Guarulhos, Osasco, São Bernardo do Campo, Santo André e Mauá. Porém, muitos desses gestores deixaram o partido durante seus mandatos e esse número caiu bastante. Pouco mais de duas mil pessoas saíram do PT para disputar eleições para vereador (a) por outros partidos, enquanto a média de “saída” registrada em outras legendas foi de duzentos integrantes.
Os demais partidos de esquerda também amargam resultados dramáticos. O PCdoB perdeu a prefeitura de Jundiaí (quatrocentos mil habitantes), que ganhou em 2012 e em 2016 elegeu apenas a prefeita de Andradina, que tem pouco mais de cinquenta mil habitantes. Nenhum outro partido de esquerda elegeu prefeito em 2016, em São Paulo. O candidato do PSOL foi para o segundo turno em Sorocaba, mas perdeu.
Esse novo contexto nacional é mais dramático em São Paulo, devido à ofensiva tucana para eliminar o “cinturão vermelho” na Grande São Paulo. O processo de cooptação de prefeitos e prefeitas por meio da oferta de recursos, cargos e estrutura, foi muito forte, assim como de atores do movimento social.
Além da derrota eleitoral da esquerda em São Paulo é preciso pensar a derrota política. Alguns dos eleitos em cidades importantes como São Paulo e Guarulhos, por exemplo, fizeram discurso “antipetista” e com evidente inclinação liberal, além de Osasco, onde os candidatos no segundo turno se atacavam chamando o adversário de petista.
Desde a década de 1980 temos construímos princípios de igualdade, justiça e combate à fome que se tornaram hegemônicos nas campanhas. Agora esses valores foram combatidos por muitos que se elegeram recentemente ao modo “Trump”, explicitamente.
As eleições de 2016 demonstram que houve uma mudança qualitativa. Está acontecendo uma transformação: é o avanço do conservadorismo, em termos de políticas e valores sobre a sociedade paulista.
Perspectivas de curto e médio prazo
O golpe consolidou-se em nível nacional e esta mudança nos coloca em um período diferente daquele que vivemos até hoje. Os golpistas têm demonstrado sua disposição e a falta de qualquer ranço democrático ou republicano – a indicação de Alexandre Moraes para o STF ilustra bem essa disposição.
Os que militam a partir dos anos 1970 e, principalmente os mais jovens, só viram a esquerda crescer social e eleitoralmente. As perdas foram circunstanciais. Houve dificuldades, como no Plano Cruzado e no Plano Real, mas a curva era de crescimento da influência das esquerdas. É a primeira vez que uma boa parte de nós vê uma queda como a que estamos sofrendo. E será a primeira vez que muitos e muitas de nós irão viver em um período de resistência.
A partir do final dos anos 1970 tivemos a ascensão de movimentos, da ação política, das organizações de trabalhadores e trabalhadoras. Mas agora estamos vivendo um período de descenso, no qual teremos que praticar o que muitos e muitas de nós não praticaram ainda: a resistência.
O que é período de resistência?
Hoje, o movimento de massa tem a função de resistir para que o programa desenhado pelo golpe seja aplicado o menos possível, por meio de greves e mobilizações, a fim de barrar o retrocesso.
Nesse momento é fundamental lutar contra a reforma da Previdência e se preparar para a anunciada Reforma Trabalhista, que buscará destruir direitos construídos ao longo do tempo com muita luta.
Os movimentos estão na defensiva e os golpistas seguem com uma dura ofensiva. Isso fica patente nas pautas que apresentamos: contra o golpe, contra a reforma previdenciária e trabalhista – ou seja, uma pauta contra o projeto do golpe e não uma pauta de avanços, como tivemos no último período. Muitos falam de golpe, mas uma parte das pessoas ainda não sente como golpe. Muitas vezes parece apenas que “trocou o governo”.
É importante evidenciar para as massas que não se trata apenas de uma mudança de governo, mas de golpe em seu sentido literal. Há um programa neoliberal radical sendo implementado e o movimento de massa tem que barrar isso. Ou barrar o máximo possível.
Porém, a capacidade de mobilização dos movimentos sociais hoje, já não é mais a mesma dos anos 1990, quando no período neoliberal do governo FHC vendeu estatais, abriu o país ao capital estrangeiro, confrontou os movimentos sociais, como ocorreu com a greve dos petroleiros, já em 1995. Neste período foi implementada uma série de políticas neoliberais (privatização), que não conseguiram chegar ao final. Houve resistência.
Terminamos o período de governo neoliberal com o crash do real em 1999, quando as entidades e movimentos progressistas e de esquerda eram muito fortes, gerando greves e mobilizações, tornando o cenário favorável para a eleição de Lula em 2002. O poder de articulação desses movimentos era muito forte e não se deixou destruir na época.
Hoje vivemos uma realidade completamente diferente. Os movimentos estão com capacidade de reação limitada e isso beneficia a ofensiva da direita, que está forte e integrada. O bombardeio não é sobre o Lula e o PT, mas sobre o que eles simbolizam, sobre a organização da classe trabalhadora. Assim, a preservação da organização dos setores progressistas e de esquerda é, neste momento de resistência, um dos objetivos mais importantes.
Esse momento de avanço do conservadorismo não será permanente. As forças conservadoras tendem a perder força e influência sobre as massas na medida em que o nefasto programa neoliberal cumprir seus propósitos e os trabalhadores e as trabalhadoras perceberem isso. É fundamental, assim, que os partidos, movimentos e agrupamentos de esquerda se mantenham, mesmo porque um dos focos de ataque dos golpista são as organizações populares e de esquerda. Um cenário de descrédito do neoliberalismo com as organizações progressistas e de esquerda desgastados pode levar a saídas autoritárias, conservadoras e nefastas ao povo.
Desse ponto de vista, a Frente Brasil Popular é fundamental e simboliza a articulação mais avançada da esquerda nos últimos anos e instrumento fundamental de resistência, cuja manutenção pode nos colocar numa posição mais favorável. Esta configuração se torna ainda mais importante pelo fato de a Frente Brasil Popular São Paulo estar no coração do neoliberalismo brasileiro.
Nascida do Fórum dos Movimentos Sociais do Estado de São Paulo, a Frente Brasil Popular/SP congrega organizações fundamentais para a retomada da luta em nosso estado. Construir a FBP/SP é a tarefa central daqueles e daquelas que querem um estado e um país justo e democrático.
Nesta conjuntura internacional de avanço neoliberal – que se evidencia na eleição de Trump, nos Estados Unidos, e de Macri, na Argentina, e na pressão que a direita exerce sobre os governos do Equador, Bolívia e Venezuela – São Paulo vive os impactos ainda mais intensamente. Temos aqui a burguesia nacional com capacidade de articulação com órgãos de repressão, Ministério Público, Judiciário e, principalmente, a mídia.
Isso é que nos exige capacidade de combate e de resistência ainda maiores.
Novas estratégias
O momento exige resistência dos setores progressistas, que devem construir a unidade do movimento, definir bandeiras comuns, estratégias e palavras de ordem que façam “o meio de campo” entre interesses imediatos (da classe trabalhadora) e interesses históricos, ou seja, entre o sentimento que certamente será provocado pelos problemas derivados das ações do governo neoliberal e a compreensão das causas desses problemas.
Momentos de crise também são importantes para a reflexão e, neste contexto, é pertinente uma avaliação sobre a nossa prática. É preciso retomar laços com o povo, principalmente nas periferias, rever as formas de organização, precaver-se em relação à burocratização das organizações e movimentos.
É tarefa da Frente Brasil Popular entender melhor o estado de São Paulo, suas peculiaridades e processo de disputa interna da elite, que se posiciona como força nacional. O fortalecimento de um polo progressista e de esquerda em São Paulo tem também caráter nacional.
A ação política no estado de São Paulo exige a elaboração de estratégia de disputa da hegemonia. Aparentemente a direita paulista elaborou e executou um planejamento estratégico de ação em relação aos movimentos sociais, com ataques, cooptações, disputas e concessões e também eleitoralmente, arrancando a esquerda do antigo cinturão vermelho e deslocando os governos populares para cidades menores e mais afastadas da capital. Assim é preciso que a Frente Brasil Popular São Paulo elabore um programa para o estado juntamente com uma estratégia de disputa da hegemonia.
As atividades de formação também se tornam imprescindíveis neste momento para a retomada do trabalho de base e ascensão de novas lideranças. É fundamental uma formação sólida, que permita às novas lideranças, que estão surgindo, se apropriarem de instrumentos fundamentais de análise e capacidade de leitura da realidade para a elaboração de estratégia de ação, além da unificação das bandeiras da esquerda e articulação das ações e comunicação.
Para traçar as estratégias, é preciso separar as eleições de 2018 do processo de mobilização social. A disputa eleitoral dificultou a dinamização da Frente Brasil Popular ao longo de 2016.
A estratégia da FBP/SP deve ter como perspectiva a disputa de hegemonia em São Paulo, mobilizando trabalhadores e trabalhadoras, juventude, povo em geral, reforçando as entidades e movimentos e investindo na formação nesse período de resistência, com vistas a alteração da correlação de forças no estado e a efetivação de um programa popular.
---Eduardo Tadeu Pereira é coordenador do Projeto São Paulo, no âmbito do Projeto Estados da Fundação Perseu Abramo, é presidente da Associação Brasileira de Municípios (ABM). Foi prefeito de Várzea Paulista (SP) entre 2005 e 2012. Foi membro do Diretório Nacional do PT e Secretário de Formação Política do PT/SP.
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