Escolhas
IBCP Psicanálise
Há muitos anos, fui apresentada a uma obra fundante para minha vida, chama-se a Doença, do Giovanne Berlinguer[i], um comunista italiano, aliás, um homem brilhante! Pois bem, esse livro, acho que esgotado, contém um texto, uma historinha em que o autor, exemplarmente, discute a pobreza de um operário italiano, a insalubridade no trabalho e a desdita de sua família causada pelo adoecimento de todos. Desde então, ou, antes, reflito muito sobre a temática. No livro, se não me falha a memória, ironicamente, o autor fala questiona se se pode falar em má sorte. Li com meus alunos e alunas, em sala, fizemos uma discussão e me lembro de ter dito que sorte e principalmente, livre arbítrio é coisa de classe média.
Um dilema ético,
até para mim, fui criada espírita, cumpri a etapa de evangelização e, tudo me
levou a crer neste conceito, lógico que surgiam os questionamentos, até porque
a filosofia religiosa, se mal interpretada, vira Descartes. Saem explicações cartesianas
para realidades que não o são. Marcante, também, a frase ultra divulgada do Saint
Exupéry[ii] que me dizia ser, eternamente, responsável
pelo que cativo. Resta saber se e quando quem me cativou se tornou responsável,
uma digressão.
Livre arbítrio
eu entendi, ali mais fortemente, seria exercido pela escolha, diante de
caminhos, vou por um. Que caminhos têm tido os pobres brasileiros, diante do
inexorável Covid19? E, eu direi, o isolamento, o SUS! Completados quase 42
anos, o SUS enquanto política, sofreu danos, desde a concepção e a aprovação da
Lei Orgânica, no Governo Collor, como uma obra aberta, foi melhor, ou, pior, a
depender dos governos e dos estados e municípios, no momento, o encontramos um
pouco sucateado, houve dificuldades de financiamento, ainda na gestão Dilma e,
mais substancialmente, tudo se agravou pós Golpe, de 2016. Às escâncaras, foi
aprovada a PEC 95, mudaram políticas de Atenção Básica e Saúde Mental, por
exemplo. Quando escrevo é administrado por uma figura lúgubre e despreparada e
há ruptura com a OMS. O isolamento é essencial, nem todos podem, há os sem
máscara, sem dinheiro para comprar, sem teto e muitos famintos! Enfim,
atualmente, as lives e a imprensa redundam em dizer isso, como se não
soubéssemos que assim seria. Dificulta a escolha, quando o presidente e os bem
sucedidos, os que não finalizarão suas vidas na vala, dizem que é nada, nada,
há os crédulos, crentes. A fé, nesse caso, é cega, a faca é amolada!
A força de
trabalho deve estar intacta, gente-máquina, mais valia. Assim, o que pode ter
sido e interpretado como frase louca (a falta do livre arbítrio) sobre
escolhas, se prova no cotidiano. E, não me venham falar em alcançar o céu pela
expiação, discordo! O mundo real serve pra questionar a teoria.
Fatos estão
descritos abaixo, no texto mote para estas mal traçadas[iii]. O óbvio, o não imaginado, está aí, salta aos
olhos. Difícil é entender que carne, sangue e ossos não definem seres humanos,
que espírito, alma, ânima, também não. É atávico, uns se entendem mais gente
que outros. Onde vivemos, temos de pensar que, atualmente, desde que nascem as
pessoas, seu destino seja quase previsível. Como diria a personagem do
Suassuna, na série da TV: sem chance.
Pasma, atônita,
passados tantos anos, tenho de dizer que nunca imaginei tamanho sonho mau, digo
que não me sinto responsável por ter colocado essa gentalha no poder. E, ele,
eles, não se tornaram responsáveis por aquele que os cativou! É de lei!
[i]BERLINGUER, Giovanni. A doença.
São Paulo: HUCITEC-CEBES, 1998. Disponível em pdf em
http://cebes.org.br/site/wp-content/uploads/2013/10/A-doenca.pdf. Acessado em 04/05/2020. Há
exemplares para venda em sebos virtuais.
Uma
pequena biografia do autor foi escrita por Sônia Fleury.
FLEURY, Sonia. Giovanni Berlinguer: socialista,
sanitarista, humanista!. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v.
20, n. 11, p. 3553-3559, nov. 2015 Disponível em:
[iii]DCM.
Chioro: crise está subestimada e tem mais de 800 mil casos de COVID 19. Diário
do Centro do Mundo, 30 de abril de 2020. https://www.diariodocentrodomundo.com.br/chioro-crise-esta-subestimada-pais-tem-mais-de-800-mil-casos-de-covid-19/.
Acessado em 04/05/2020
Enfermeira de Saúde Pública, graduada na Escola de Enfermagem da USP de Ribeirão Preto. Especialista em Saúde Coletiva, pela UNICAMP. Fez mestrado e doutorado na Faculdade de Saúde Pública da USP-SP. Professora da Faculdade de Enfermagem da PUC-Campinas, desde março de 1980. Atua, como docente em aulas teóricas na área da Saúde Coletiva e Trabalho de Conclusão de Curso. Realiza estágios e aulas práticas na Rede Básica de Atenção à Saúde de Campinas
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