Verdades e mitos do auxílio-reclusão
Arquivo Público
Caros leitores, hoje no Brasil o debate referente ao auxílio-reclusão tem-se aprofundado, dividindo as opiniões. Aqueles que são contra o benefício denominaram-no de “bolsa bandido”, com o discurso de que a esquerda o criou para “passar a mão na cabeça de bandido” e que tal benefício deveria ser para a vítima, e não para o bandido, posição essa defendida por uma deputada federal que chegou a apresentar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para acabar com o subsídio.
Tenho acompanhado esse debate e vejo que o ele é muito vazio, na maioria das vezes por faltar informações necessárias que o enriqueçam. Muitos não sabem quando foi criado o benefício, alguns argumentam que foi o ex-presidente Lula, o que é mentira, e outros nem querem saber. Só almejam a extinção da “bolsa bandido”, posição defendida cegamente e embasada em falsas premissas.
A primeira vez que apareceu um benefício semelhante no Brasil foi em 1933, através no artigo 63, do Decreto nº 22.872, de 29 de junho de 1933, que instituiu o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, ou seja, há mais de 85 anos. No ano seguinte, foi promulgado o Decreto nº 54, em 12 de setembro de 1934, que instituiu o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários, prevendo o benefício no artigo nº 67, sendo que, em ambos os casos, o auxílio -reclusão foi tratado como pensão aos familiares.
Já em 1960, por meio do Decreto-Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, que cria a Previdência Social, especificadamente no artigo 43, foi instituído (ou reformulado) o benefício, pois o que antes era pensão e o que era aplicado em casos pontuais passou a ser genérico e abrangente, sendo denominado de auxílio-reclusão.
A regra para a sua concessão é de que o recluso tenha a qualidade de segurado e com tempo mínimo de contribuição, ou seja, que tenha realizado no mínimo 12 (doze) contribuições mensais, bem como que não perceba qualquer espécie de remuneração da empresa.
Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal que, em seu artigo 201, determinou que “os planos de previdência social, mediante contribuição, resultantes do acidente de trabalho, velhice e reclusão”. O texto original sofreu alteração por meio da Emenda Constitucional nº 20/98, que reformou o sistema de previdência social, no entanto, manteve intacto o direito ao auxílio-reclusão. Por fim, vale destacar que os requisitos para requerer o auxílio-reclusão estão na lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.
É vital destacar que para se receber o auxílio-reclusão não basta estar recluso (preso). É necessário cumprir todas as exigências da lei, ou seja, o reeducando tem que ter a condição de segurado. Isso significa que o agora recluso estava contribuindo com a Previdência Social, como todos os trabalhadores que recebem outros benefícios junto ao INSS. A destinação do benefício não é ao recluso, mas sim à sua família, que também só receberá o benefício se a última remuneração do recluso for igual ou inferior a R$ 1.319,18, o teto previsto na lei e no valor utilizado como base para recolhimento da última contribuição previdenciária.
Diante desta cronologia legislativa e daquele debate vazio a que me referi no início deste texto, sempre respeitando às opiniões diferentes, entendo que não há que se falar em “bolsa bandido”, mas sim, em direito previdenciário do recluso contribuinte, pois não é de graça o recluso receber tal benefício. Significa dizer que somente através de sua contribuição junto à Previdência Social nasce o direito de receber o auxílio que garante o sustento da sua família, exatamente igual a qualquer outro afastamento previdenciário.
Cabe lembrar aos leitores, por fim, que a Previdência Social não está “dando” nada e sim garantindo o direito de subsistência familiar de um contribuinte que, em razão da reclusão, não pode mais arcar com as despesas familiares. Por isso, devemos ter cuidado ao entrar em um debate desta magnitude, sem o conhecimento pleno do assunto e qual a verdadeira garantia, para não cometermos injustiças. Há que se lembrar também que pouco custa tentar nos colocarmos no lugar de outrem, para sermos mais humanos e defendermos os direitos garantidos na Constituição Federal.
---Antônio Luís Oliveira, advogado especialista em Direitos Humanos, mestrando USP-RP e pesquisador convidado da Università di Camerino - Itáia
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