Antônio Alberto: O difícil é repartir o pão

Foto: Oxfam América

Antônio Alberto: O difícil é repartir o pão

"...Por esses números apresentados pela Oxfam e pelo Thomas Piketty vê-se que a distribuição da riqueza é que é o problema, pois ninguém quer largar o osso, ninguém quer abrir mão do lucro crescente, da acumulação e do poder..."

Vejo agora nas folhas e nas mídias que uma pesquisa da Oxfam Internacional – organização respeitabilíssima que se ocupa de monitorar a fome e a miséria no mundo -, apurou que 1% da população mundial detém 50% da riqueza produzida no planeta; e que apenas oito homens possuem a mesma riqueza de metade da população mais pobre da Terra (3,6 bilhões de pessoas); e que no Brasil meia dúzia de milionários (não é força de expressão, não, são apenas seis pessoas milionárias, mesmo), concentram em suas mãos o equivalente aos recursos de 50% da população mais pobre.

 

Há pouco tempo, um jovem economista francês, Thomas Piketty, fez fama ao redor do mundo com seu livro O capital no século XXI (Le capital au XXIe siècle) em que denuncia a desigualdade crescente nas sociedades do capitalismo avançado, constatando que a concentração de dinheiro, renda e patrimônio no alto da pirâmide social é maior do que o crescimento econômico dos países. Ou seja, a acumulação de bens, dinheiro e capital nas mãos dos ricos é maior do que o crescimento dos PIBs dos próprios países capitalistas onde essas riquezas são produzidas – o que levou o economista a identificar uma “espiral infinita da desigualdade” no capitalismo do século 21.

 

Isso tudo me parece absurdo – e a gente que é leigo fica meio perdido. Ouço tanta gente tecer loas ao capitalismo. Ouço dizerem que o modo de produção capitalista, nas sociedades modernas, é a única maneira de realizar a produção material em larga escala; é o único sistema de produção capaz de promover o crescimento econômico; é o único modo de produção que pode assegurar ao mesmo tempo o avanço científico e tecnológico. Teve até aquele japonês-americano, o tal do Fukuyama, tão deslumbrado com o capitalismo que chegou a dizer que a sociedade liberal capitalista era o “fim da história”.

 

Mas, ouço dizer também que, para usufruir todas essas benesses, as sociedades capitalistas teriam de tolerar uma certa “taxa” de injustiça, pois não é possível erradicar completamente a desigualdade socioeconômica entre as pessoas, nem evitar alguma forma de exclusão social. Afirmam esses que, em qualquer sociedade humana – capitalista ou não -, sempre haverá um certo nível de concentração do poder econômico e político, portanto, sempre haverá desigualdade e injustiça. Logo, teríamos de aceitá-las naturalmente – como uma fatalidade, como um dado inevitável da natureza

 

Por outra parte, há os que apregoam a necessidade de construir uma sociedade mais igualitária, em que não haja nem exclusão nem concentração de poder, portanto, uma sociedade efetivamente mais justa. Os capitalistas, porém, retrucam dizendo que essa sociedade seria inviável, pois não conseguiria enfrentar o desafio da produção de bens em larga escala, nem seria capaz de promover o crescimento econômico, restando-lhe apenas o atraso, dada a sua incapacidade estrutural de impulsionar e de, ao mesmo tempo, beneficiar-se do progresso da ciência e da tecnologia.

 

Que dizer, que pensar, a gente que é leigo? Não sei não, mas parece que o grande problema não é produzir em larga escala para promover o crescimento e alimentar todo mundo, sem deixar ninguém de fora do banquete – o grande problema mesmo é arranjar um jeito de distribuir adequadamente o todo já produzido. Por esses números apresentados pela Oxfam e pelo Thomas Piketty vê-se que a distribuição da riqueza é que é o problema, pois ninguém quer largar o osso, ninguém quer abrir mão do lucro crescente, da acumulação e do poder.

 

Enquanto isso, o mundo contemporâneo segue esperneando nessa encruzilhada, nesse dilema entre o injusto e o impossível. Seguem dizendo que é impossível produzir tão bem quanto se produz nas sociedades capitalistas, mas que, para tanto, tem-se que pagar o preço da injustiça e da desigualdade. Alguém já disse que o capitalismo produz bem, mas distribui mal. O problema é que produzir e não distribuir é o mesmo que não produzir. Logo, a sociedade capitalista não produz bem e distribui pior ainda. Se esse for o fim da história, se essa for a única utopia possível, então estamos bem-arranjados neste planeta onde apenas 8 pessoas abocanham metade do pão que deveria ser repartido entre 7 bilhões de bocas – repartir o pão é que são elas!

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Antônio Alberto Machado é advogado e professor livre-docente da Universidade Estadual Paulista, Unesp, campus de Franca. Seja Companheiro, faça sua doação ao PT de Ribeirão Preto

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